Na última semana uma euforia popular, contextualizada por um binômio marcou a sociedade brasileira: em primeiro lugar foi amplamente divulgada por vídeos e imagens a transferência do ex-governador do estado do Rio de Janeiro Anthony Garotinho de um hospital para o ambiente carcerário.
Horas depois uma decisão da Ministra Luciana Lóssio, do Tribunal Superior Eleitoral, concedeu Habeas Corpus ao ex-governador com o entendimento de que “interromper a internação hospitalar de um preso e enviá-lo para penitenciária por causa de rumores de que ele estaria recebendo regalias não é razoável, pode ter graves conseqüências e fere o princípio da dignidade da pessoa humana”.
A veiculação da decisão supra gerou protestos nas redes sociais que urravam apoio à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal e, ao mesmo tempo, questionavam e vaiavam a atuação da Ministra Luciana Lóssio, situação de gravidade ímpar e que, portanto, motiva a presente reflexão a fim de aproximar leitor à realidade do poder judiciário.
Pois bem, ao que consta, havia em desfavor do ex-governador do Rio de Janeiro uma ordem de prisão temporária, espécie legítima e constitucional de medida cautelar no processo penal.
A Ministra também decidiu que, após o tratamento, Garotinho aguarde em prisão domiciliar o julgamento pelo TSE da medida liminar que o colocou na prisão.
Atual secretário de Governo de Campos dos Goytacazes/RJ, garotinho foi preso na quarta-feira (16/11/2016) sob acusação de fraude no programa Cheque Cidadão com fins de compra de voto. Após passar mal, foi encaminhado ao Hospital Municipal Souza Aguiar, no centro do Rio de Janeiro. Houve, todavia, determinação judicial para que o ex-governador concluísse seus exames na rede pública e fosse levado para a penitenciária.
Tendo o contexto ilustrativo narrado, indispensável refletir quanto à natureza das prisões cautelares, seus requisitos, e a possibilidade, ou não, de substituição por outras cautelares diversas da prisão.
Ao tratar dos direitos e deveres individuais e coletivos, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O mesmo artigo 5º, no inciso LXVI, impõe que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Por fim, nos termos do artigo em tela,
especialmente no inciso LXV, “a prisão ilegal deverá ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.
Assim sendo, se a pena privativa de liberdade, já com o trânsito em julgado, é considerada a “ultima ratio”, diferente não poderá ser com as prisões processuais, senão vejamos seus requisitos.
Para decretar toda e qualquer medida cautelar é indispensável a presença de dois requisitos essenciais, a saber: o fumus comissi delict e o periculum libertatis. O primeiro não está ligado, ao contrário do que muitos pensam, com a aparência de um direito, mas à probabilidade ou verossimilhança da prática de um delito por parte de um investigado/réu, ou seja, analisa-se aqui, a bem da verdade, elementos que indicam a prática de infração penal. Por sua vez, o segundo elemento reflete a urgência e necessidade da medida para resguardar um bem jurídico de relevância para o processo ou para a sociedade. É, nas palavras de Vitor Moreno Catena, a “indicação do perigo para o processo penal caso não se adote a medida cautelar”.
O elemento hermenêutico a nortear o estudo das medidas cautelares é o princípio da presunção de inocência que aparece, “neste sentido, como princípio reitor para expressar os limites das medidas de coerção pessoal contra o réu”.
Por derivação, uma vez existentes os requisitos fumus comissi delict e periculum libertatis, há que se mencionar a imposição de excepcionalidade às restrições cautelares face ao princípio da liberdade, consagrado na Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.
Os incisos LXV e LXVI da carta magna, já transcritos, demonstram de forma clara, precisa e concisa que, no estado de direito, a liberdade é a regra e tal fundamento constitui cláusula pétrea, sendo as restrições à liberdade, sejam totais ou parciais, verdadeiras vias de exceção.
Contextualizado o tema, o termo final é muito mais um apelo, a uma conclusão. Direitos e liberdades individuais não existem atoa; são, em regra, derivados da resistência da cidadania à opressão. Neste contexto é completamente desarrazoado defender teses malignas de supressão de direitos a determinadas classes, a exemplo de políticos corruptos.
A corrupção existe e infelizmente aterroriza a população brasileira, todavia os delinqüentes envolvidos com estes delitos também são sujeitos de direito e, uma vez condenados, podem – e devem – ser submetidos à sanção penal cominada. Não há espaço, todavia, para presumir culpabilidade e submeter qualquer um ao cárcere processual cautelar quando outra medida,
menos gravosa, seja suficiente para resguardar o processo e a sociedade. Basta refletir que, em tempos nebulosos, o Estado, entendido em sentido amplo, já perseguiu, torturou e executou muitos inocentes. É conveniente crucificar o judiciário, legítimo escudo concreto dos direitos fundamentais?
Hoje nosso alvo é um político; amanhã um simples ladrão; na semana que vem um mendigo; em meses uma prostituta. E em alguns anos? Poderá ser você?
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos