Compulsando detidamente os autos 0005902-34.2017.8.01.0001, em curso no Tribunal de Justiça do Acre, verifica-se que houve Trânsito em Julgado do Acórdão que, confirmando decisão prolatada pela Juíza de Direito Thais Khalil , condenou a Empresa Ympactus Comercial S/A, conhecida popularmente como Telexfree, a devolver o dinheiro dos divulgadores que investiram no esquema de pirâmide.
Segundo a Juíza, “a pessoa tem que considerar o que ela pagou para entrar no negócio e diminuir desse valor o que ela recebeu enquanto estava lá. Então, se a pessoa pagou R$ 1 mil e lucrou R$ 100 ela vai ter direito a R$ 900. Ou seja, se ela recebeu mais do que ela pagou ela não tem nada a receber”.
O Tribunal de Justiça do Acre, por sua vez, asseverou que o advogado é indispensável para que o divulgador tenha representatividade jurídica, devendo o Exequente apresentar documentação comprobatória dos valores que investiu e recebeu, tais como contratos, saldos, extratos, comprovantes ou outras transações bancárias.
Lado outro, vale ressalto o fato de ser comum que divulgadores da Empresa Ré desembolsassem valores para aquisição de contas, da espécie adcentralfamily, em valores variados, tanto pelo pagamento de boleto bancário nominado como pelo sistema de Bônus oferecido no negócio.
O sistema de bonificação é previsto no Contrato Geral de Adesão ofertado pela Empresa, sendo o último disponibilizado, salvo engano, no ano de 2013. A conversão de bonificação em novas contas nominadas de investimento gerava um comprovante, similar ao do boleto bancário, no escritório digital disponibilizado aos usuários. Nasce um problema.
Por força de Decisão Judicial, ocorrida em 18 de junho do ano de 2013, nos autos da ação cautelar inominada nº 0005669-76.2013.8.08.001, movida junto a 2ª Vara Cível da comarca de Rio Branco/AC, “houve suspensão das atividades da Empresa Ré, com fundamento nos indícios de prática de pirâmide financeira, prática defesa pelo ordenamento jurídico pátrio e entendida, a rigor, como crime contra a economia popular (Lei 1.521/51)”.
Assim, o acesso digital dos usuários às contas, por meio de Login e CPF, encontrasse bloqueado judicialmente.
Imaginemos, portanto, que um determinado investidor adquiriu contas pelas duas vias (pagamento de boleto nominado e pelo sistema de bonificação), sem, contudo, lograr êxito em lucro. Seria razoável admitir que o Exequente só faça jus à restituição dos boletos que tem em mãos? Ao nosso ver, respeitosamente, não faz sentido.
A saída jurídica, a priori, leva a crer na transferência da responsabilidade de apresentar, na totalidade, os dados e documentos inerentes às contas, identificadas com Logins e CPFs, à Empresa Ympactus Comercial S/A.
Impende destacar que todos os investimentos devem ter ocorrido anteriormente à determinação judicial cautelar supramencionada, ou seja, antes da suspensão das atividades da Empresa Requerida, afinal de contas, ninguém pode valer-se da própria torpeza.
Vale salientar, inclusive, que os investidores que usaram programas virtuais para gerar CPFs falsos e, assim, se promover no esquema de pirâmide não fazem, igualmente e pelo mesmo motivo, jus à restituição, valendo frisar que a prática descrita é criminosa e consta ao teor do artigo 299 do Código Penal ( falsidade ideológica).
Noutra banda, logo após a suspensão cautelar, o Ministério Público do Estado do Acre Ajuizou Ação Civil Pública distribuída sob o nº 0800224-44.2013.8.01.0001, culminando na prolação de sentença de 120 (cento e vinte), onde restaram declarados nulos todos os contratos/negócios jurídicos firmados entre a Empresa Requerida e os consumidores que com ela contrataram, sendo o ressarcimento dos investimentos e bonificações que a empresa prometeu a cada contratante medida de rigor.
Averbe-se, desde logo, que a decisão foi confirmada em Acórdão de 138 (cento e trinta e oito) laudas, sobrevindo transito em julgado em 31 de março de 2017.
Dito isto, vale apontar o socorro aos investidores que, por descuido ou pela forma de investimento, não possuem os comprovantes necessários a documentar os valores investidos.
Antes de adentrar ao novo Código de Processo Civil, fundamental trazer à baila os termos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), isto por que, nos termos do artigo 3º, conforme relatório inaugural da sentença prolatada, a própria Empresa Requerida, nos autos da Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001, se classifica como fornecedora de serviços.
Sob outro enfoque, é entendimento solidificado na Doutrina especializada, bem como na Jurisprudência, ser indispensável uma flexibilização da interpretação das normas nas relações de consumo para proteger a parte vulnerável.
Entendeu-se, portanto, ser necessário tutelar a parte hipossuficiente nas relações de mercado. Trata-se do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor que, por ser exemplo da interpretação constitucional das relações de consumo, impõe, em determinados casos, a inversão do ônus da prova.
Entendemos, modestamente, que, em não havendo prova em contrário a ser produzida pela Empresa Ré, o deferimento do pedido de inversão do ônus da prova é medida de rigor.
A título de subsidiariedade, resta estudo quanto aos artigos 396 e seguintes, do novo Código de Processo Civil.
O novo Código de Processo Civil, Lei 13.105, promulgada em 2015, inovou significativamente no ordenamento jurídico nacional, sobretudo na adequação dos instrumentos jurídicos, judiciais e procedimentais ao ditames da razoabilidade.
O artigos 396 e seguintes da codificação em tela não fogem ao comento, e taxam a possibilidade de que o juiz, sob algumas condições, ordene a exibição de documento ou coisa que se encontre em seu poder da parte ex adversa.
Restará ao divulgador enfrentar, e comprovar, os requisitos imposto no artigo 397, do novo Código de Processo Civil.
A individualização do documento, ao nosso ver, se transparece nos comprovantes de movimentações internas e externas que digam respeito aos investimentos dos divulgadores na empresa, sendo o Login e o CPF os indícios necessários à identificação dos valores desembolsados pelo Exequente (Art. 397, inciso I, do novo Código de Processo Civil).
Lado outro, o sistema de bonificação é previsto na cláusula 2.5 do contrato de adesão (2013). A finalidade da prova reside, alhures, na comprovação do quantum investido por cada divulgador. (Art. 397, inciso II, do novo Código de Processo Civil).
Frisa-se: o Escritório Virtual da Empresa, instrumento responsável pela emissão dos comprovantes de investimento pelo sistema de bonificação, está suspenso por decisão judicial, fato circunstancial em que deve ser fundar o divulgador para afirmar que os documentos estão em poder da parte contrária (Art. 397, inciso III, novo Código de Processo Civil).
Por fim, ressaltamos que aqueles que buscam a restituição devem pautar-se pelos sub-princípios inerentes à boa-fé objetiva, ou seja, caso os investimentos a serem apontados tenham ocorrido antes da determinação judicial cautelar de suspensão das atividades empresariais, bem como não se vislumbre qualquer prática ilícita pelo divulgador, a restituição é medida que se impõe.
Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG.
Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio.
Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.
Ex-Assessor de Juiz na Vara Criminal da Comarca de Cataguases/MG.
Ex-Coordenador de Gestão de Contratos e Convênios da Secretaria Municipal de Saúde e Programas Sociais do Município de Barbacena/MG.
Ex-Gerente de Apoio Jurídico da Advocacia Geral do Município de Barbacena/MG.