As consequências da segunda guerra mundial foram desastrosas. Segundo a doutrina especializada, as 85.000,000 (oitenta e cinco milhões) de mortes demonstraram “o que o homem estava disposto a fazer pelo poder”.
Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 – DUDH – elencou uma séria de direitos fundamentais indispensáveis à condição humana, ou seja, os trinta artigos constantes ao texto da Declaração, nas palavras de Flávia Piovesan, consagram o “mínimo ético irredutível”, assim entendido como o conjunto de direitos sem os quais o ser humano não pode viver.
Instituto que foi inerente aos documentos internacionais e nacionais de difusão dos direitos e garantias fundamentais foi o de “vida digna”, todavia seu conceito é extremamente subjetivo. Nada obstante, ainda que incerto, os casos de flagrante violação à dignidade humana são de constatação imediata. A ideia é de que o intérprete sofre para delimitar o que é digno, mas identifica com facilidade o que é indigno.
Em termos de Liberdade de Expressão consta ao teor do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
A Constituição Federal de 1988, em via de incorporação, dispõe em seu artigo 5º, IX que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Ao encontro, nos termos do artigo 220 da carta magna, “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, sendo, conforme o § 2º do supramencionado artigo “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Assim sendo, nas palavras de Bruno Fontenele Cabral a “Liberdade de expressão é o direito de qualquer indivíduo manifestar, livremente, opiniões, ideias e pensamentos pessoais sem medo de retaliação ou censura por parte do governo ou de outros membros da sociedade. É um conceito fundamental nas democracias modernas nas quais a censura não tem respaldo moral”.
Por tratar-se a liberdade de expressão de direito fundamental vinculado mormente à concepção, introduzida pelo próprio nome, de pretensão de liberdade, seu pressuposto lógico é um “não agir por parte do Estado”, ou seja, diferente dos direitos de igualdade que pretendem uma intervenção estatal, as liberdades estão presas à ideia de que o Estado não deve, em regra, agir na esfera privada e naturalística do indivíduo.
Nada obstante aos termos legais mencionados até o presente, nunca antes na história da humanidade se falou tanto em crimes contra a honra, o que, em termos legais, introduz a ideia de violação à honra subjetiva ou objetiva da vítima.
Entende-se por honra subjetiva aquilo que o indivíduo pensa ao seu respeito, ou seja, o sentimento pessoal do cidadão segundo ele mesmo.
Honra objetiva, por outro lado, é a concepção social do indivíduo, a saber: aquilo que a coletividade pensa sobre o agente.
Considera-se calúnia, difamação e injúria, nos termos dos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal: “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”; “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”; “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”.
Assim sendo, o direito penal, ramo jurídico destinado a tratar das lesões mais graves aos bens jurídicos mais importantes, guardou um capítulo (V) para tratar dos crimes contra a honra, fortalecendo a ideia de que o bem jurídico “honra” é de tamanha importância que, quando lesionado, pode indicar a existência de um crime.
As relações virtuais, em grande parte, contribuem para a ocorrência de crimes (violações graves) contra a honra e, as facilidades daquele ambiente, induz a lógica de impunidade, uma vez que – ainda que figuras penais típicas – a calúnia, a difamação e a injúria raramente são apuradas e, quando levadas à apreciação do poder judiciário, em regra não levam o delinquente à pena de prisão em razão da possibilidade de aplicação de substituição e de penas restritivas de direitos.
O projeto de Lei 236 do Senado Federal (novo código penal) excluiu inúmeras figuras típicas do ordenamento jurídico, todavia, aquelas que permaneceram no projeto, não raras as vezes, tiveram suas penas aumentadas. É o caso, por exemplo dos crimes contra a honra.
A conclusão merecida, por lógica, é que os juristas que integraram a comissão do anteprojeto 236 entendem que, ainda que os princípios elementares do Direito Penal indiquem sua natureza de ultima ratio, a impunidade, até o momento reinante nos crimes contra a honra, deve ser combativa em respeito à vítima, seus familiares e ao bem jurídico tutelado que, pacificamente, é de relevância penal indiscutível.
Os abusos ao uso da liberdade de expressão podem ter consequências desastrosas. Em 07 de janeiro de 2015, por exemplo, um atentado terrorista ao jornal francês Charlie Hebdo deixou 12 mortos e, ao que tudo indica, foi uma resposta a uma edição do jornal que foi recebida, por suas charges, como insulto aos muçulmanos.
É óbvio que a violência não é, em hipótese alguma, justifica, mormente se tratando de terrorismo. A dificuldade fática na apreciação penal das lesões à honra levarão os operadores do direito a interpretarem as lesões caso a caso, todavia, ainda que a legalidade dificulte a ocorrência jurídica de um crime desta natureza, a melhor leitura da liberdade de expressão é aprendida nos anos iniciais de qualquer escola “o nosso direito termina onde ou quando começa o do outro”.
Os direitos humanos ou os direitos e deveres individuais e coletivos são fruto de legalidade e segurança aos jurisdicionados, mas jamais instrumentos de impunidade. Portando, e por fim, chega de intolerância, discriminação, preconceito e violência de qualquer espécie disfarçados do jargão infantil de “é minha opinião”.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos