Patente o constrangimento ilegal a superação da súmula 691 do STF é medida de rigor, notadamente em tempos de crise na saúde pública

A realidade do COVID-19 deve ser considerada como elemento interpretativo acerca das cautelares diversas da prisão constantes ao artigo 319 do Código de Processo Penal, inclusive para indicar a relativização da súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.

Segregação cautelar é ultima ratio na exata conformidade da Doutrina especializada, da Jurisprudência dos Tribunais de Justiça, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Infelizmente o a República Federativa do Brasil amarga grave crise Política, Financeira e Social pela ameaça do COVID-19, não noutro sentido os Tribunais de Justiça ao redor do país estão com os expedientes suspensos e em trabalho internos apenas em escala de plantão (urgência) e, em decorrência de tal, autorizando a prisão domiciliar de Reeducandos que se encontram em cumprimento de pena em regime semiaberto ou aberto.

Contrassenso, pois, insistir em prisão processual quando outras cautelares, diversas da prisão, são suficientes à tutela do bem jurídico tutelado.

No que pese os termos da Súmula 691 do Excelso Supremo Tribunal Federal, sua relativização é possível quando há flagrante ilegalidade ou controvérsia em decisão unilateral de Relator, especialmente quando a concessão da Liminar é clarividente, ou seja, há casos em que a Suprema Corte pode e deve conhecer e processar de Habeas Corpus impetrado para reformar decisum de indeferimento de liminar de Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Neste sentido a própria corte legal já aduziu (Decisão proferida pelo ministro Rogerio Schietti Cruz nos autos do HC n.º 477.091 (STJ, DJe 31/10/2018):

"alega sofrer coação ilegal no seu direito de locomoção, em decorrência de decisão proferida por Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que indeferiu o pedido de liminar formulado em seu favor (…). Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante como incurso no art. 1º da Lei n. 12.850/2013 em 23/10/2018 e permanece “sem qualquer decisão homologatória e avaliação da legalidade do flagrante por autoridade judicial e/ou sem qualquer previsão para realização de audiência de custódia” (fl. 4). Neste writ, a defesa sustenta que “o Desembargador (ora autoridade Coatora), se mostrou omisso às ilegalidades, em especial a inexistência de decisão fundamentada (ainda que minimamente) acerca da análise do procedimento do flagrante e a suposta manutenção da custódia, tornado a situação totalmente ilegal” (fl. 5). (…) Inicialmente, destaco que as matérias aventadas nesta ordem de habeas corpus não foram objeto de análise pelo Tribunal a quo, ficando, assim, impedida sua admissão, sob pena de indevida supressão de instância. Nesse sentido é o disciplinamento do enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal: “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de ‘habeas corpus’ impetrado contra decisão do relator que, em ‘habeas corpus’ requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar. O referido impeditivo é ultrapassado tão somente em casos excepcionais, nos quais a evidência da ilegalidade não escapa à pronta percepção do julgador, como ocorre no caso em exame. (…) À vista do exposto, defiro o pedido liminar, para relaxar a prisão em flagrante do autuado, cuja precariedade não permite sua subsistência por tantos dias"

Não noutro giro destacou o culto Presidente do Excelso Supremo Tribunal Federal, Ministr Dias Toffoli:

Os impetrantes sustentam, inicialmente, que é o caso de superação da Súmula 691 desta Suprema Corte, “já que o indeferimento do provimento liminar na impetração em sede do Superior Tribunal de Justiça se enquadra nas hipóteses ensejadoras do afastamento sumular” (pág. 5 do documento eletrônico 1). No mérito, alegam que “a questão cerne do habeas corpus cinge-se à nova interpretação deste Excelso Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de início da execução penal após o julgamento de 2ª instância pelos Tribunais de Apelação” (pág. 6 do documento eletrônico 1). (…) Como tenho reiteradamente afirmado, a superação da Súmula 691 do STF constitui medida excepcional, que somente se legitima quando a decisão atacada se mostra teratológica, flagrantemente ilegal ou abusiva. No caso sob exame, verifico estar-se diante dessa situação, apta a superar o entendimento sumular, diante do – à primeira vista – flagrante constrangimento ilegal a que está submetido o paciente. Passo, então, ao exame do pedido de medida liminar. A concessão de medida liminar se dá em casos particularíssimos, nos quais se verifique, de plano, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Na análise que se faz possível nesta fase processual, entendo que se mostram presentes tais requisitos. (…) Assim, diante de tudo quanto exposto, e examinados os documentos coligidos aos presentes autos, constato, ainda que em juízo de mera delibação, a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar sob análise. Destarte, defiro o pedido de medida liminar para suspender, integral e cautelarmente, a execução provisória das penas impostas ao ora paciente na Ação Penal.

Igualmente o Ministro Sebastião Reis Júnior, do Colendo Superior Tribunal de Justiça (Habeas Corpus nº 467.014 – CE (2018/0223931-8):

HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS MAJORADO. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE INDEFERIU MANDAMUS ORIGINÁRIO. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. NECESSIDADE DE CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO LIMINAR. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. ANULAÇÃO DA AUDIÊNCIA. REALIZAÇÃO EM DESOBEDIÊNCIA AO RITO PREVISTO NO ART. 400 DO CPP. ATRASO NA MARCHA PROCESSUAL, QUE NÃO PODE SER IMPUTADO À DEFESA. EXISTÊNCIA DE CORRÉU EM SITUAÇÃO FÁTICO-PROCESSUAL IDÊNTICA. ART. 580 DO CPP. APLICABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. 1. Segundo pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, a configuração de excesso de prazo não decorre da soma aritmética de prazos legais. A questão deve ser aferida segundo os critérios de razoabilidade, tendo em vista as peculiaridades do caso. 2. No caso, anulada a audiência de instrução e julgamento realizada em desobediência ao art. 400 do Código de Processo Penal, não se pode imputar a demora na marcha processual à defesa. Precedente. 3. Evidenciada a existência de corréu em situação fático-processual idêntica, devem ser estendidos os efeitos da presente decisão, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal. 4. Ordem concedida, confirmando-se a decisão liminar anteriormente deferida, para assegurar ao paciente o direito de aguardar em liberdade o julgamento da ação penal, podendo o Magistrado singular manter as medidas cautelares alternativas à prisão que porventura tenha implementado, devendo os efeitos da presente decisão ser estendidos ao corréu Cleverson Rodrigo Pereira

O Emérito Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal concedeu liminar em Habeas Corpus a um homem preso por roubo mesmo havendo recurso pendente no Superior Tribunal de Justiça sob o argumento de que a prisão foi determinada com base na gravidade abstrata do crime (Medida Cautelar no Habeas Corpus mº 147.659 Paraná. STF):

PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTOS – INSUBSISTÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA – EXCESSO DE PRAZO. HABEAS CORPUS – LIMINAR – DEFERIMENTO. HABEAS CORPUS – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO

Veja-se que, por exemplo, a evidência de rigor para concessão de liminar decorre do fato de ordem de prisão fundamentada no pressuposto de garantia da ordem pública (art. 312 do CPP), sendo que o Paciente do Remédio Constitucional está em liberdade há longo período, fazendo prova, pois, da ausência do Periculum Libertatis.

Medida que se impõe, ademais, que seja considerado o estado calamitoso de saúde que assola a República Federativa do Brasil como instrumento interpretativo do art. 319 do Código de Processo Penal no sentido de que as cautelares diversas da prisão são suficientes ao resguardo da paz pública em detrimento da ultima ratio segregatória.

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