O Uso da Força Pelos Agentes de Segurança Pública

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A Constituição Federal de 1988, além de normatizar a organização do Estado, e dos poderes Executivo, Legislativo e judiciário em suas relações exclusivas ou concorrentes, inovou significativamente quanto a temática de Direitos e Garantias Fundamentais.
A evolução nas atuações dos órgãos estatais durante o decorrer dos séculos constata ligeira uniformidade, ao menos no que tange à cultura ocidental. Os Estados absolutistas e opressores tenderam a reconhecer gradualmente direitos reivindicados por classes diversas, culminando na democratização do sistema e no nascimento de uma tutela específica individual. O indivíduo passou a ter importância tanto para a jurisdição estatal como, principalmente, para as diretrizes internacionais de Direitos Humanos. Inclusive, a leitura mais correta quanto à natureza dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos passa por limitações ao poder estatal.
A zetética se faz necessária quando avalia-se os instrumentos legítimos que o Estado tem para fazer valer a paz social reivindicada por seus jurisdicionados. Haveria um limite? Se sim, qual seria? O uso da força é permitido? O uso de algemas e armas de fogo é irrestrito em situações de flagrante ou fuga, por exemplo?
A priori ao enfrentamento dos questionamentos, necessário visualizar a possibilidade de conflito entre, no mínimo, dois princípios constitucionais: de um lado, o princípio da segurança (Art. 5º, CF/88); de outro, o princípio da dignidade humana (Art. 1º, III CF/88).
Os policiais – agentes, teoricamente, treinados para garantir a segurança pública e a efetividade das decisões judiciais – lamentavelmente demonstram, de forma não generalizada, um abuso de poder pelo uso indiscriminado e excessivo da violência, seja ela verbal, pelo uso de armas, cassetetes ou algemas.
Nas eventualidades jurídicas, independentemente do ramo específico a que estejam inseridas – para análise do uso da força – é indispensável a ponderação dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e adequação. Assim sendo, nos procedimentos de condução, flagrante ou qualquer outra medida a ser executada pela autoridade competente é indispensável o esgotamento das vias “cordiais” para legitimar o uso da força.
Sendo inviável o diálogo, havendo fuga ou persistindo o ato criminoso com risco nítido ao bem jurídico tutelado, é aceitável, e legalmente permitido, o uso da força, todavia de forma proporcional e menos gravosa possível. Conforme leciona
Andrey Borges de Mendonça: “Deve-se verificar a necessidade da medida e, especialmente, a sua adequação – ou seja, se há ineficácia de outro meio menos gravoso”.
Sem mais delongas, o que ocorre quando a gravidade da ação criminosa é tão intensa que torna-se necessário o uso de armas de fogo? Pois bem, nestes casos, indispensável retornar aos primeiros parágrafos do presente e iniciar uma interpretação história acerca do tema: o Estado – aquele que outrora órgão opressor – teoricamente enfrentará um indivíduo. A supremacia de um frente ao outro é nítida, o que leva a inviabilidade do uso de armamento pelos agentes de segurança pública com a finalidade de provocar a morte do infrator. Ora, se o contrário fosse, estaria legitimado um instrumento silenciador de opressão e imposição, o qual se lutou tanto para extinguir.
Finalmente, oportuno esclarecer que a autoridade policial não ficará indefesa. Apenas é fundamental que – para o uso da força – as vias menos gravosas sejam ineficientes e que – para o uso da arma de fogo – os pressupostos da legítima defesa sejam preenchidos e os disparos usados para cessar a ação criminosa e não para atos de execução (assassinato).
A Portaria Interministerial 4.226 de 31 de dezembro de 2010 disciplina o uso da força pelos agentes de segurança pública, em seus termos: “Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesma na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou grave lesão aos agentes de segurança pública ou terceiros (diretriz 4).”
No mesmo sentido, conforme decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Loayza Tamayo “Todo uso da força que não seja estritamente necessário pelo próprio comportamento da pessoa detida constitui um atentado a dignidade humana e violação do Art. 5 da Convenção Americana”. A supracitada Corte possui até jurisprudência firmada ao encontro, qual seja: “Uso da força por parte dos corpos de segurança estatais deve estar definido pela excepcionalidade, e deve ser planejado e limitado proporcionalmente pelas Autoridades”, continua, “somente poderão fazer uso da força ou instrumentos de coerção quando estiverem esgotados e fracassados todos os demais métodos de controle”.
O intuito da coluna não é desmerecer ou desvalorizar a atuação e a conduta dos agentes de segurança, que, inclusive, foram arduamente defendidos em artigo anterior. Não se busca, aqui, a impunidade, mas uma preparação adequada para que a legalidade seja respeitada, garantido a tutela à dignidade do infrator, e a própria
validade e eficácia de qualquer ato processual. Segurança Pública e Direitos Humanos não são antinômicos. São, na verdade, espécie e gênero, respectivamente.
 

IMG_20160513_090651Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332

Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos.

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