No mundo contemporâneo a constância e inconstância das relações conjugais evidenciaram um fato peculiar e extremamente relevante que, nada obstante às recentes incisões nos debates jurídicos e políticos, sempre existiu e, aparentemente, sempre vai existir: trata-se do abandono afetivo.
Dispõe a constituição cidadã, em ser artigo 227, que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
O Brasil conta atualmente com aproximadamente 1.306 (mil trezentos e seis) faculdades de Direito e um problema recorrente, na imensa maioria delas, reside na ausência de estudo sistemático entre o Direito Penal, os Direitos Humanos e a Constituição Federal.
Apesar do estudo indispensável do conceito de crime, bem como, de forma inequívoca, do procedimento para a dosimetria da pena, esquece-se de problematizar questões ligadas à origem dos delitos. A nosso ver, antes de entender a definição jurídica de crime, seria fundamental que o aluno estudasse as principais motivações a transformarem um cidadão comum em um delinquente. Pobreza, miséria, desigualdade social e preconceito, indiscutivelmente, são reconhecidos, por qualquer doutrina sociológica/jurídica, como elementos inerentes à motivação do crime.
Nada obstante, caso o crime apenas fosse resultante de questões socioeconômicas, o rico jamais viria a delinquir e o pobre ou miserável, em sua totalidade, cometeria crime. Sabemos, por logo, que ambas as premissas estão erradas: existem ricos que comentem crimes e pobres que passam a vida inteira sem realizar qualquer conduta relevante para o Direito Penal. Em fins comprobatórios, basta observar o caos político resultante da corrupção, crime especialmente cometido por pessoas abastadas.
Assim sendo, apesar da relevância de questões econômicas e sociais que, na realidade brasileira, são determinantes para a exclusão e marginalização de indivíduos, outro fator que merece destaque no estudo pela busca da origem do crime é a educação, amor, afeto e carinho ou, em termos objetivos, a ausência destes quatro elementos onde, por imposição constitucional, deveriam se fazer presentes: no seio familiar.
Pois bem, seguindo a ótica constitucional e o princípio da Afetividade, algumas turmas do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a possibilidade de reparação indenizatória por danos morais em razão do abandono afetivo.
A questão não está solidificada, todavia parece entendimento pacífico do próprio Tribunal supra que a indenização resultante de abandono afetivo é uma via completamente excepcional, ou seja, é interpretação do próprio Tribunal que a possibilidade
de intromissão estatal nas relações privadas é limitada. Ainda que a falta de amor entre ascendentes e descendentes cause estranheza ou repulsa, não se faz razoável ou possível que um órgão jurisdicional tente obrigar um ser humano a amor outro. Seria absurdo.
Noutro giro, o princípio da afetividade busca a valorização do afeto, do amor, da afinidade, no mais, nas relações de respeito que unem as pessoas no ambiente familiar, devendo sempre ser lido sob a ótica da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido, apesar de exceção, é materialmente possível se falar em indenização por danos morais por abandono afetivo quando, pela omissão, mesmo que de amor, afeto ou carinho, de um dos genitores ou responsável, houver dano concreto, inadmissível e inescusável à dignidade da criança ou adolescente. O abandono, para configurar fundamento de indenização por danos morais, deve ser tido, praticamente, como uma variável da violência doméstica e familiar.
Por fim, destaca-se que, não por acaso, o texto constitucional impôs à toda a sociedade, de forma integrada e multidisciplinar, o dever de cuidado e proteção ao menor de 18 (dezoito) anos, sendo interesse maior da coletividade a formação de pessoas estáveis, psicologicamente falando. Frisa-se, segurança pública é dever, em primeiro momento, do Estado, mas em um segundo, e não menos importante, de todos.
O criminoso não se faz por ser pobre ou rico, mas pela ausência de caráter e consciência social, características que, em um ambiente de total isolamento afetivo, tendem a se desenvolver em proporções geométricas.
Portanto, razoável se faz que o sujeito omisso que deixe de realizar sua função social como educador e que, neste sentido, coloque em risco o futuro de uma criança ou adolescente – e a própria coletividade – seja submetido a uma condenação por danos morais. As indenizações desta natureza não buscam “coisificar” o amor arbitrando um valor monetário por sua ausência, mas sim propiciar à vítima do ato omisso condições básicas e efetivas de recuperação psicológica, intelectual e física para garantir, a partir daí, seu desenvolvimento regular e digno em sociedade.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos.