Na última semana eclodiu no Brasil um debate extremamente polêmico que abarcou todas as classes socais e os mais variados ambiente, a saber: aborto foi descriminalizado?
A discussão teve origem no julgamento, pela 1ª turma do Supremo Tribunal Federal, do Habeas Corpus 124.306, em que duas pessoas foram presas acusadas da prática de aborto com consentimento da gestante (art. 126 Código Penal).
Para compreender o alcance da decisão, que teve como relator o Ministro Luis Roberto Barroso, é indispensável passar pelo estudo do controle concentrado e concreto de constitucionalidade. Afinal de contas, a decisão da 1ª turma do STF tem caráter erga omnes?
Segundo o site do oficial da Suprema Corte brasileira, “no controle de constitucionalidade difuso/concreto – também chamado de sistema aberto –, todos os órgãos do Poder Judiciário realizam o controle. Este modelo foi criado pelos Estados Unidos. Já o controle concentrado – conhecido também como sistema reservado –, foi adotado inicialmente na Áustria. Ele permite que somente poucos órgãos do Judiciário tomem decisões a respeito da constitucionalidade de atos, sendo que quase sempre o controle é competência exclusiva de um só órgão, geralmente o mais elevado do Judiciário, como a Suprema Corte”.
O controle abstrato ou concentrado de constitucionalidade possui como instrumentos essenciais as Ações Diretas de Inconstitucionalidade; as Ações Direitas de Constitucionalidade; e as Argüições de Descumprimentos de Preceitos Fundamentais.
As ADIs, ADCs e ADPFs garantem, em tese, maior celeridade na apreciação de controvérsias constitucionais. Tais ações, segundo a página oficial do STF “têm efeitos ex tunc (anula a lei desde a sua criação), erga omnes (vale para todos) e vinculante para todo o Poder Judiciário e para todos os órgãos da Administração Pública, direta e indireta, não abrangendo, apenas, o Poder Legislativo”.
Que a prática do aborto é infração penal – regulada pelos artigo 124 a 128 do Código Penal de 1940, cominando penas a quem “provoca aborto em si mesma ou consente que outrem lho provoque”; “provoca aborto, sem o consentimento da gestante”; ou “provoca aborto
com o consentimento da gestante” – não há dúvidas, sendo tal premissa pública e notória.
Imediatamente à divulgação da decisão proferida no Habeas Corpus 124.306, uma onda de ponderações equivocadas inundou os mais variados meios de comunicação como se a prática abortiva estivesse descriminalizada no Brasil, fato que não prospera.
Na verdade, ao apreciar um Habeas Corpus – ferramenta cabível “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (Art. 5º, LXVIII da Constituição Federal) – o Supremo Tribunal Federal está atuando no controle concreto/difuso de constitucionalidade, sendo a decisão prolatada destinada a regular – única e exclusivamente – a situação das partes do respectivo processo, sendo desprovida de caráter vinculante e efeito erga omnes.
A fundamentação usada pelo Ministro Barroso, portanto, tinha como finalidade respaldar o direito de dois Réus em responder o processo em liberdade, todavia alcançou uma repercussão peculiar e instigou de forma inédita o debate sobre o tema na sociedade brasileira.
Historicamente, o Brasil é um Estado violador dos Direitos Humanos elementares da mulher e, segundo Flávia Piovesan, destacam-se, no quadro das graves violações a esses direitos: a) a violência contra a mulher; b) a discriminação contra as mulheres; e c) a violação dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher.
De acordo com o Ministro, “a vida potencial do feto é evidentemente relevante, mas a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade”.
Ainda segundo o Barroso, “a criminalização antes do terceiro mês de gestação viola a autonomia da mulher, o direito à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a igualdade de gênero, além de provocar discriminação social e um impacto desproporcional da criminalização sobre as mulheres pobres.”
Os fundamentos externados pela 1ª turma do STF conduzem à interpretação internacional, humanitária e universal do aborto, segundo a qual a, face a autonomia da mulher sobre o próprio corpo, a natureza
de crime do ato abortivo não é uma presunção absoluta, e, caso o fosse, constituiria um mecanismo destinado a afetar apenas mulheres pobres.
Destarte, conforme bem explica a página eletrônica da revista Carta Capital, a decisão vale apenas para o caso dos Réus que impetraram o Habeas Corpus 124.306, todavia o posicionamento indica que, em eventual apreciação do tema pelo plenário da Corte em controle concentrado/abstrato de constitucionalidade (efeito vinculante e erma omnes), a possibilidade de inovação ao trato do aborto é real e provável.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos