Fato amplamente divulgado na mídia nas últimas semanas foi a conduta perpetrada por um Tatuador que, ao se deparar com uma tentativa de furto, resolveu “fazer justiça com as próprias mãos” e gravou permanentemente na testa do suspeito da infração penal a frase: “Sou ladrão e vacilão”.
Na mídia Barbacenense a repercussão não poderia ter sido pior. Em uma rádio educativa, de concessão governamental federal, foi dito, na quarta feira passada (14 de junho de 2017) que “bandido tem que sofrer, e não receber carinho dos Direitos Humanos”; “bandido bom é bandido preso, ou morto, não faz a menor diferença” e que “Universidade Federal é ninho de esquerdopatas”.
Diante do exposto, nos propusemos a desenvolver um artigo para, novamente, desmistificar aquilo que – popularmente – se entende por Direitos Humanos, concedendo, inclusive, entrevista ao Jornal Folha de Barbacena.
Pois bem, vejamos que o Código de Processo Penal disciplina, em seu art. 301, que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, ou seja, o indivíduo que identifica uma conduta criminosa tem duas opções: (i) acionar a Polícia Militar, Autoridade legalmente competente pelo policiamento ostensivo; ou (ii) dar voz de prisão ao delinquente e conduzí-lo à Delegacia de Polícia mais próxima.
Portanto, a lei, em momento algum, autoriza o uso da força pela população em detrimento daquele que está cometendo infrações penais.
Importante ressaltar que, muito embora qualquer do povo tenha legitimidade para prender em flagrante, a orientação mais razoável é pelo acionamento da Autoridade Policial, esta que, munida do treinamento e dos instrumentos indispensáveis à repressão, deverá conduzir o infrator à Delegacia de Polícia.
A idéia de se fazer justiça com as próprias mãos tem, por essência, vinculação à corrupção do ser humano. Discursos de ódio vinculados ao apenamento físico e à velha premissa da Lei de Talião de “olho por olho, dente por dente”, foram usados insistentemente durante a evolução das civilizações, resultando, inclusive, nos regimes mais nefastos da história, a exemplo no Nazismo.
Não fosse suficiente, vale lembrar que o Código Penal vigente, em seu artigo 345, tipifica a conduta do Exercício Arbitrário das Próprias Razões, quais sejam seus termos: “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”.
Assim, aquele que “faz justiça com as próprias mãos” será processado e poderá, no caso de condenação, ser submetido à uma pena de detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês ou multo, além da pena correspondente à violência” (lesão corporal, homicídio, tortura, etc).
Esclarecemos que, ao contrário do que fora veiculado erroneamente na mídia barbacenense, a conduta perpetrada pelo Tatuador que marcou definitivamente a testa de um jovem acusado de furtar uma bicicleta, foi de Tortura (Lei 9.455 de 1997 – crime equiparado à hediondo), e não de maus tratos.
Vale lembrar a memorável frase: “se matares um assassino, o mundo continuará a ter o mesmo número de homicidas”.
Os Direitos Humanos, como bem se aduz da Universalidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, taxam o mínimo existencial irredutível de todo e qualquer ser humano.
Vejamos o artigo 5º da DUDH, transcrito pela Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso III: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
Averbe-se, desde logo, que Direitos Humanos não são e nem nunca foram “direito de bandido”.
Conforme já mencionamos em colunas pretéritas, a difusão equivocada daquilo que seria “Direitos Humanos” nos meios de comunicação, principalmente nas redes sociais, leva a uma rotulação social (cidadão de bem versus cidadão do crime). Tais rótulos constituem um grave erro sociologicamente falando, uma vez que todos os seres humanos cometem erros, alguns tão graves que são incluídos na esfera penal do ordenamento jurídico. Neste sentido, a tendência é que, a priori, a população crie uma repulsa quanto a matéria, imaginando que Direitos Humanos são para proteger criminosos. Quem nunca ouviu a famosa frase: “Direitos humanos para Humanos Direitos”?
Pois bem, engane-se quem pensa que Segurança Pública e Direitos Humanos são inimigos. A bem da verdade, Direitos Humanos é a generalidade, cuja uma das especialidades é compreendida na Segurança Pública.
Assim sendo, o sentimento íntimo de segurança é uma finalidade comum a todos e dever, por óbvio, do Estado. Encarar segurança pública e direitos humanos como rivais, principalmente quando se deve responsabilidade em protagonizar um meio de comunicação, leva à perigosa interpretação de que é possível sacrificar Direitos Humanos para garantir a tal segurança, o que é teratológico.
Ora, como possuem a mesma natureza, uma vez que se agride a Segurança Pública se agride os Direitos Humanos, sendo a recíproca verdadeira.
Ressalte-se, por oportuno, que a vedação à Tortura é um direito constitucional absoluto e, em assim sendo, não comporta exceções.
Portanto, aquele que, com dolo, propaga nos meios de comunicação discurso de ódio, não observa os princípios elementares do Direito Penal e da Constituição Federal, prejudicando todo o sistema jurídico, notadamente, e ironicamente, a segurança pública.
Destarte, lamentavelmente o discurso mencionado envolve um despreparo muito grande daqueles que manejam os meios de comunicação. Direitos Humanos são instrumentos de legalidade, e não de impunidade; e discurso de ódio não se confunde com liberdade de expressão, dizer o contrário é, no mínimo, falta de leitura.
Vale lembrar que recentemente um membro do alto escalão do Governo Federal, Bruno Júlio – Secretário Nacional de Juventude – se viu forçado a pedir demissão após declarar, no contexto das chacinas envolvendo as rebeliões no estado Roraima, que “tinha que matar mais presos” e que “tinha que fazer uma chacina por semana”.
Sob outro enfoque, é necessário destacar que a responsabilidade daquele que adota esse tipo de discurso pode ser Administrativa (quando emitidas por Autoridades Públicas); Cível (responsabilidade patrimonial – dever de indenizar) ou Criminal (Apologia ao crime, artigo 287, do Código Penal).
Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal. Ex-Assessor de Juiz na Vara Criminal da Comarca de Cataguases/MG. Ex-Coordenador de Gestão de Contratos e Convênios da Secretaria Municipal de Saúde e Programas Sociais do Município de Barbacena/MG. Ex-Gerente de Apoio Jurídico da Advocacia Geral do Município de Barbacena/MG.