Justiça com as Próprias Mãos e Dever de Indenizar

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A responsabilidade cível, penal e administrativa, em tese, é independente, ou seja, a submissão de determinado indivíduo a processo penal não necessariamente descarta a possibilidade de prestação patrimonial pelo mesmo ato, podendo ser devida indenização em favor do Estado ou da própria vítima.
Conforme pesquisas divulgadas em outros artigos, a avaliação geral do ano de 2014 indicou a existência de uma dicotomia na sociedade brasileira alimentada por dois objetos, quais sejam: a descrença no judiciário e a fomentação, inclusive midiática, do retrocesso à justiça com as próprias mãos.
A menção ao fenômeno dos linchamentos, popularmente falando “justiça com as próprias mãos”, comuns em diversas localidades brasileiras desde o ano de 2014, se faz extremamente necessária e relevante para a contextualização dos termos a seguir delineados: haveria possibilidade de responsabilidade cível, leia-se patrimonial, em face dos autores de linchamentos?
Conforme norma ínsita no artigo 186 do Códex Civil, o ato de, mediante conduta comissiva, violar a integridade física de terceiro, ainda que criminoso, agride direito alheio e causa dano intenso à terceiro, notadamente quando a Constituição Federal de 1988 (Art. 5º, inciso III), a Legislação Federal (Art. 129 §1º, inciso II do Código Penal Brasileiro; Lei 9.455/97) e as Convenções Internacionais de Direitos Humanos (Art. 5º, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; Artigo 1º, Decreto nº40/1991, promulga a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes) impõem, expressa e tacitamente, vedação absoluta à Tortura.
Vejamos como decide a Corte Interamericana de Direitos Humanos: “Existe um regime jurídico internacional de proibição absoluta de todas as formas de tortura, tanto física como psicológica, regime que pertence hoje em dia ao domínio do ius congens. A proibição da tortura é completa e inderrogável, ainda que nas circunstâncias mais difíceis, tais como a guerra, ameaça de guerra, luta contra o terrorismo, e quaisquer outros delitos, estado de sítio ou de emergência, comoção ou conflito interior, suspensão de garantias constitucionais, instabilidade política interna ou outras emergências ou calamidades públicas”.
Com efeito, o artigo 927 da codificação civil vigente apressa-se em prenunciar a obrigação de reparar, que recai sobre aquele que causar dano a outrem por ato ilícito.
E, em atos de linchamentos, a conduta ilícita que se verifica é derivado da covardia perpetrada em desfavor do delinquente que, a depender do caso, seja capaz de causar-he sofrimento físico e mental dignos de impor responsabilidade patrimonial aos agressores.
Ressalte-se, por oportuno, que justiça com as próprias mãos não se confude com “legítima defesa”. Ao contrário, a excludente de ilicitude taxada ao teor do artigo 25 do Código Penal é clara precisa e concisa ao taxar como legítima defesa o ato de quem, usando moderadamente os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Ora – caso não verificado a proporcionalidade na conduta do agente, que somente deve prosperar no momento que se faz necessária a repulsa à injusta agressão – reconhece-se o ato ilícito, ficando indispensável a existência de procedimentos penais e cíveis em desfavor dos linchadores.
Tendo em vista a repercussão das condutas percebidas em atos de agressões públicas, resumidas em incentivo ao caos social, a instauração de inquérito criminal para, ao final, denunciar os agressores às iras da Lei – notadamente nas disposições da Lei 9.455/97 e dos artigos 121 e 129, §1º, inciso II, do Código Penal Brasileiro, a depender do caso, todos de Ação Penal Pública incondicionada – é medida de rigor.
Ademais, entendemos, assim como a corrente mais próxima ao sistema acusatório constitucional, que, por ser possível identificar nas condutas de linchamento diversos atos ilícitos, contrassenso seria presumir a impossibilidade de responsabilidade cível dos agressores.
Ressalte-se: se as condutas perpetradas em atos de agressões conjuntas e públicas acarretarem dor, vexame, sofrimento ou humilhação à vítima que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico, causando-lhe, ainda, aflições, angustia e desequilíbrio em seu bem-estar, medida que se impõe a condenação pecuniária pelos danos materiais e morais decorrentes.
IMG_20160513_090651Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG.
Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio.
Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.
Ex-Assessor de Juiz na Vara Criminal da Comarca de Cataguases/MG.
Ex-Coordenador de Gestão de Contratos e Convênios da Secretaria Municipal de Saúde e Programas Sociais do Município de Barbacena/MG.

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