Conheça o projeto social que proporcionou dignidade e trabalho a diversos cidadãos carentes de Barroso – Texto e fotos: Rhonan Moreira Neto
“A gente antes era chamado de lixeiro. Hoje a gente é respeitado”. A frase é da barrosense Neusa Maria de Jesus, 59 anos, uma das 17 pessoas que compõem a Associação dos Catadores e Recicladores de Materiais Reaproveitáveis de Barroso (MG), a Ascab, entidade criada no ano de 2007, com o objetivo de resgatar a dignidade e melhorar a qualidade de vida dos catadores que exerciam suas atividades de forma insalubre no lixão do município. Dentre os principais frutos colhidos estão o aumento da renda das famílias, a inclusão social dos participantes e a preservação do meio ambiente na cidade.
Resultado de um projeto denominado “Papa Luxo”, com envolvimento da Associação Ortópolis Barroso, Prefeitura, Instituto Holcim e a cimenteira Holcim, presente na cidade, a entidade cresce a cada ano, graças ao envolvimento dos catadores associados com as instituições parceiras do projeto. Ao longo dos anos, outros projetos como o “Papa Luxo 2”, “Ascab Turbinada” e “Ascab em novos horizontes” solidificaram o trabalho dos catadores. Atualmente, cerca de 18 toneladas de recicláveis são recolhidas na cidade a cada mês. Os principais compradores são empresas das cidades de Barroso, São João del-Rei e Prados.
O processo de coleta consiste na divisão da cidade em rotas pré-determinadas pelos próprios catadores, de segunda a sexta-feira, quando saem às ruas, com seus carrinhos de tração humana, realizando a coleta. Um caminhão, recebido em janeiro de 2013 pela entidade, através da Petrobras e da Cataunidos (Cooperativa de Reciclagem dos Catadores da Rede de Economia Solidária de Minas Gerais), possibilitou a implantação da coleta seletiva e acompanha os membros da Ascab no trabalho pelas ruas da cidade. Além da coleta domiciliar, empresas parceiras cadastradas separam o material reciclável, recolhido semanalmente pelos catadores.
O envolvimento dos catadores é intenso e, graças a este fato, as melhorias nas condições de trabalho da associação estão em constante evolução. Um ponto que merece destaque é que, a partir do projeto, os catadores passaram a ter mais voz e vez dentro da comunidade. “A Dadinha (uma das catadoras) nem falava direito, vivia de cabeça baixa, e hoje é ela quem negocia com os compradores a venda daquilo que a gente recolhe”, ressaltou Neusa. Além disso, a renda mensal dos catadores cresceu de forma impressionante desde o início dos trabalhos dentro da Ascab, saindo da casa dos R$ 70 para cerca de R$ 600.
E os investimentos também acontecem na associação. A partir de parcerias, a Ascab adquiriu equipamentos de maior capacidade para prensar os recicláveis, além de equipamentos, armários e itens para o setor administrativo. A preocupação com a segurança dos catadores é outro fator levado muito a sério. Os associados saem para as coletas devidamente uniformizados, sempre fazendo uso de equipamento de proteção individual (EPI).
Marina Silva dos Santos, 52 anos, outra das associadas à Ascab, lembrou que, em dois anos de participação na entidade, sua vida melhorou de forma considerável. “Esse trabalho tirou a gente de um lugar e colocou em outro, muito melhor. É graças à Ascab que eu tenho o meu sustento, inclusive pagando meu aluguel. A gente tem uma colega de trabalho que está construindo a casa dela, ajudando o marido a fazer sua casa própria”, declarou ela, entusiasmada.
Sobre a coleta seletiva, as catadoras declaram que é muito difícil fazer com que a população separe o que descarta de forma ideal, uma vez que, segundo os critérios para reciclagem, o lixo deve ser separado em papel, plástico, vidro, metal e, claro, material orgânico. No entanto, separando o material orgânico, chamado de lixo molhado, de todos os demais itens, já é de grande valia. “A gente não precisa de muita coisa. Se a população separar o seco do molhado já vai ajudar. A gente tem que revirar as sacolinhas fazendo essa separação e, se puder deixar o lixo seco separado do lixo molhado vai contribuir demais”, afirmou Marina.
É importante destacar a diferença entre o lixo reciclável (seco) do lixo orgânico (molhado). No primeiro, enquadram-se papel, papelão, plásticos variados, embalagens tetra-pak (longa-vida), metais e sucata em geral. Já o orgânico compreende restos e cascas de alimentos, papel higiênico e de cozinha, fraldas descartáveis, absorventes, cotonetes, algodão, vidros quebrados, isopor, bitucas de cigarro etc. Além disso, pilhas, baterias e lâmpadas fluorescentes não podem ser colocadas em nenhum dos dois lixos, devendo ser entregues separadamente.
Cidadania e reconhecimento em comunidade
Para Gláucia Aparecida dos Santos, 30 anos, gestora do projeto “Ascab em novos horizontes”, um dos maiores êxitos desse trabalho é a transformação percebida nas relações entre os associados e também deles com a comunidade. “Um dos grandes obstáculos enfrentados dentro da associação sempre foi a convivência e a capacidade de relacionamento dos catadores, tanto entre eles quanto com as pessoas da cidade. Esse carinho e essa fraternidade hoje acontecem de forma pacífica e natural, algo que eles passaram a praticar com o tempo”, comemora Gláucia, destacando que esse foi uma condição fundamental para que o grupo alcançasse todas os resultados até então.
Em 2013 a Ascab foi agraciada em evento da Associação Comercial, Industrial, Agropecuária e de Serviços de Barroso (Acib) como projeto de destaque na cidade, recebendo da entidade classista a Comenda Mérito Social, pelo importante trabalho social desenvolvido em Barroso. De acordo com a Acib, a responsabilidade social e a preservação ambiental são compromissos que todos devem ter com a vida em comunidade e a Ascab exemplifica isso de forma simples e direta. Além disso, o trabalho de socialização do indivíduo, sintonizando-o com o meio em que vive, proporcionando trabalho, renda e dignidade é uma tarefa árdua e com a qual poucos se envolvem, sendo este um dos motivos que faz desta associação de catadores um dos projetos mais importantes em atividade em toda a região.