“Se fosse Rio de Janeiro ou São Paulo, haveria cobertura ao vivo 24 horas, mas o Espírito Santo tem histórico mesmo de ser ignorado. Não sejam cúmplices”. Citando Rafaela “@rafavnt”, inicio o artigo dessa semana problematizando dois aspectos centrais evidenciados a partir da greve da Polícia Militar no estado capixaba.
O primeiro aspecto diz respeito à total falta empatia do brasileiro frente a alguns acontecimentos no início de 2017. O segundo, ironicamente, remete àquela velha opinião formada sobre tudo: “bandido bom é bandido morto”?
Começaremos do primeiro, falaremos do segundo e concluiremos com um sentimento de decepção e angústia que envolve ambos.
A ex-primeira dama, Marisa Letícia Lula da Silva, foi internada em 24 de janeiro de 2017 depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral hemorrágico provocado pelo rompimento de um aneurisma. Infelizmente, dona Marisa faleceu na primeira sexta-feira do mês de fevereiro de 2017 (03/02/2017).
Em meio ao luto, os comentários nas redes sociais explodiram em sentimentos completamente antagônicos e, pela lógica da rede mundial de computadores, disponíveis para o mundo.
Para apontar ao leitor onde estamos querendo chegar, citamos alguns trechos relacionados com a morte da ex-primeira dama postados na rede social “facebook”: “a inútil Marisa viva só interessava aos seus iguais e à justiça, morta só interessa a seus iguais e aos vermes”; “bandido como eles tem que sofrer e não sou eu que tenho que perdoá-los. Roubam e matam dia após dia vidas nos hospitais quebrados e futuros das nossas crianças nas escolas. Não desejo mal, mas também nada de bom. Qro a justiça dos homens q a de Deus com certeza vão ter”; “o inferno deve estar bem preocupado essa hora”; “só não se foi ainda por que o inferno está conferindo a documentação, e o capiroto com medo da concorrência”.
A proposta da coluna não é fazer qualquer juízo político, todavia é dever de qualquer técnico compromissado com a Constituição Federal de 1988 emitir repúdio a qualquer ato desrespeitoso e atentatório aos direito da personalidade de qualquer ser humano, sejam políticos, criminosos ou “cidadãos de bem”.
A incidência generalizada de crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria) no ambiente virtual é marcada pela impunidade. Já mencionamos em outras oportunidades a necessidade de preencher a lacuna existente e adequar a realidade tecnológica atual ao ordenamento jurídico. Infelizmente, no contexto atual há, indiscutivelmente, um abuso crasso à liberdade de expressão – constante ao teor do artigo 5º, IV da Constituição Federal de 1988.
Momento ideal para contextualizarmos e enfrentarmos o segundo aspecto: “bandido bom é bandido morto”? O jargão popular passa a ser novamente enfrentado na coluna pelo reflexo negativo alcançado com a greve da Polícia Militar.
A realidade é que, com a greve da Polícia Militar, foi instaurado um caos nas ruas do estado do Espírito Santa. Inúmeras pessoas estão indo as ruas praticar crimes, especialmente contra o patrimônio, muito embora já se tenha noticiado um número alarmante de 75 mortos.
Fato é que, conforme imagens amadoras divulgadas, já que a grande mídia pouca atenção confere ao estado, inúmeras pessoas, teoricamente não dedicadas ao crime, estão indo as ruas saquear estabelecimentos comerciais.
A realidade não é exclusiva dos capixabas, bastando observar acidentes de trânsito envolvendo caminhões nas rodovias brasileiras. Em regra, um aglomerado de pessoas se forma para furtar as mercadorias e “explorar a desgraça alheia”. Ora, não seriam bandidos?
Outra regra é a generalização nos discurso questionadores de grupos militantes em pauta humanitária. Generalização tal que dificilmente cita nomes, autores, decisões judicias, números de inquéritos ou estatísticas quanto a existência, ou não, de abuso policial.
Nos “debates virtuais” nunca constatei menção à Declaração Universal de 1948 que não trás as expressões “bandido” ou “criminoso” em nenhum de seus 30 (trinta) artigos.
A lei 11.340/06 (lei Maria da Penha), a exemplo, foi conquista dos Direitos Humanos. A proteção do idoso e das pessoas com deficiência segue a mesma linha. A defesa da inclusão do público
LGBT não diverge: também é pauta humanitária. Podemos continuar mencionando matérias de direitos humanos que em nada estão relacionadas com direito penal até amanhã, se preciso.
Ao nosso ver, todo aquele que parte de uma premissa cega e generalizatória é responsável pela distorção da essência dos institutos.
A linha conclusiva busca, portanto, indicar uma contradição latente no discurso dos que se dizem cidadãos exemplares. Finalizo com um apelo: cidadão de bem, por gentileza, estando a polícia presente ou ausente, não furte, roube ou estupre. Vá à praia e coma moqueca, de preferência com pimenta e sem caos.
Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Gerente de Apoio Jurídico da Advocacia Geral do Município de Barbacena/MG. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.