“Bebida alcoólica e volante não combinam”; “se beber não dirija”, quem nunca ouviu? Quem nunca leu?
É constantemente veiculado pela grande mídia, infelizmente, acidentes de trânsito envolvendo condutores embriagados e eventuais vítimas. A partir daí, no âmbito jurídico, inúmeros fatores – relevantes quanto ao estudo analítico de crime – passam a ser considerados pelo Ministério Público e pela defesa técnica.
O agente que, embriagado, causa um homicídio no trânsito responde por qual crime? O crime é doloso ou culposo? Está previsto no Código de Trânsito Brasileiro ou no Código Penal de 1940? Questões como estas, comumente debatidas, fazem imensa diferente quanto à condução do julgamento do infrator, bem como à pena em abstrato considerada para futura dosimetria em caso de condenação.
Inicialmente, fundamental esclarecer que “dolo” é o elemento subjetivo por excelência na Lei penal, ou seja, no silencio da lei, o crime é doloso – aquele em que o agente cogita o resultado e passa a agir buscando-o. O dolo divide-se em direto (1º e 2º grau) e indireto (eventual e alternativo).
O tipo culposo por sua vez é abarcado pelo princípio da excepcionalidade. Noutros termos, é uma via de exceção a punição penal de crimes culposos, sendo imprescindível sua previsão legal. O crime culposo, por definição, é aquele em que houve a inobservância de um dever jurídico de cuidado caracterizado por imprudência, negligência ou imperícia. Doutrinariamente, se divide em culpa consciente e culpa inconsciente.
Por fundamentação legislativa, ao teor do artigo 18 do Código Penal, consta: “Diz-se o crime: I – Doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; II – Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.
Não é objetivo do presente artigo discorrer quanto às teorias norteadoras de dolo e culpa, mas interpretar, de forma informativa, os casos em que um agente, embriagado, dá origem a um acidente com vítimas fatais. Nestes casos, responderia o infrator por crime doloso ou culposo? Quais as diferenças a depender do instituto escolhido? O que pensa o Supremo Tribunal Federal?
Existem para tanto três correntes: A primeira corrente, comumente seguida por respeitáveis membros do Ministério Público, entende pela aplicação do Dolo Eventual, aquele em que o agente não quis o resultado, mas assumiu o risco de produzi-lo. Por sua vez, a segunda corrente, em tese seguida pelas Defensorias Públicas, adota o entendimento de tratar-se de culpa consciente – instituto em que o agente acredita cegamente que pode evitar, com suas habilidades, o resultado. Por fim, a terceira corrente, reconhecida e instituída pelo Supremo Tribunal Federal, propõe que o
agente possa responder tanto por crime doloso, como por crime culposo, a depender do caso concreto.
Para o Supremo Tribunal Federal, portanto, deve haver uma valoração a partir de elementos objetivos disponíveis à apreciação do julgador. A Corte Constitucional chegou a conclusão de que não é a mesma coisa um homicídio causado por um agente que bebeu três copos de cerveja em momento anterior ao acidente, daquele em que o mesmo infrator bebeu uma garrafa de cachaça e, completamente bêbado, originou o acidente fatal.
A discussão tem origem, principalmente, na ausência do instituto da culpa temerária no ordenamento jurídico brasileiro.
Culpa temerária, constante ao Novo Projeto de Código Penal (Projeto de Lei do Senado nº 236/2016), é um instituto importado da doutrina espanhola. Nada mais é do que um meio termo entre culpa e dolo, de forma a impor penas mais significativas ao agente que venha a errar crassamente.
Insta destacar que o entendimento do Supremo Tribunal Federal é pautado pela proporcionalidade e ao menos induz ao seguinte raciocínio: o condutor que consome substância psicoativa abusivamente responde pelo crime de homicídio doloso (Art. 121 Código Penal). Por outro lado, a conduta daquele que as consome de forma moderada deverá ser considerada ao teor do artigo 302 § 2º do Código de Trânsito Brasileiro, que dispõe apenas de modalidade culposa.
Por fim, para quantificar a diferença, fundamental lembrar que nos casos de aplicação do Código de Trânsito Brasileiro na via qualificada (art. 302§ 2º), poderá ser aplicada pela de reclusão de até 4 (quatro) anos ao infrator, enquanto que, na eventual submissão do agente ao teor do artigo 121 do Código Penal de 1940, o denunciado será julgado pelo Tribunal do Júri e poderá ser submetido a pena de reclusão de até vinte anos.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos.