Tomando por base o ordenamento jurídico brasileiro, marcado por uma constituição rígida, percebe-se de acentuada complexidade cogitar a relativização de direitos e garantias fundamentais, em especial àquelas derivadas de diplomas internacionais, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Rogério Greco destaca o Princípio da Legalidade como o mais importante no âmbito penal e, sua essência pura e simples, nos traz que não existe crime sem prévia e expressa tipificação em lei e, nem tão pouco, pena sem prévia cominação legal. Vale destaque, no contexto, o princípio da estrita legalidade que, no âmbito da Administração Pública, vincula os atos do Estado à somente o autorizado por Lei.
Averbe-se, desde logo, que, na seara penal, existem desafios no combate ao crime, notadamente após a globalização cibernética verificada nos anos 2000. O engajamento do crime organizado pode ser confirmado com o advento, ainda que tardio, da lei 12.850/13 (Lei das Organizações Criminosas), esta que, indene de dúvidas, direciona combate penal especial aos crimes de repugnância internacional.
Neste liame, percebe-se que, assim como o Estado passou a dispor de meios tecnológicos para instrumentalizar suas atividades, os delitos, ditos de repugnância internacional, na cadeia escalonada do crime, também dispuseram de ferramentas para burlar a fiscalização. Tratam-se as drogas de desenho, também conhecidas como “legal highs” ou “sais de banho”, de mais uma estratégia do crime para ludibriar a sistemática estatal exigida pela Lei 11.343/06 (Lei de Drogas).
Drogas legais sintéticas ou drogas de desenho, por ser elementar de definição, são substâncias psicotrópicas produzidas quimicamente para ter seu efeito semelhante aos das drogas comuns só que modificadas suas estruturas químicas para não se enquadrar no rol das substâncias juridicamente definidas como proscritas pela portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ficando à margem da fiscalização.
Pela lei de drogas é necessário que exista laudo toxicológico da substância apreendida justamente para constatar a presença do material na portaria nº 344, de 12 de maio de 1998 – ANVISA – esta que, em complemento à Lei 11.343/06, define quais são os Entorpecentes tido por ilícitos.
Infelizmente o que se nota é que as variações das drogas sintéticas são inúmeras, e, pior que isto, as possibilidades de se reinventarem são ainda maiores, tornando-se quase impossível a catalogação imediata pela ANVISA.
O interprete jurídico, portanto, se vê diante de um hard case, qual seja: a aplicação tida como absoluta do princípio da legalidade ou sua possível relativização? Há, portanto, antinomia entre o dever de punir do Estado em garantia da Segurança e os direitos processuais reverberantes do princípio da Legalidade.
Nesse sentido, partimos do pressuposto que o agente que pratica o tráfico de drogas, mais especificamente o tráfico de drogas sintéticas, não pode se valer da própria torpeza para ludibriar o sistema judiciário, tão pouco, para descredibilizar o sistema carcerário nacional.
Assim, levando-se em consideração o artigo supracitado, o Estado tem o dever de garantir à sociedade o direito à vida, segurança, dentre outros direitos sociais esculpidos e ou derivados do art. 6°, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
No liame principiológico, considerando que não existe direito absoluto no em matéria Constitucional Democrática, necessita-se analisar intimamente o princípio da legalidade que, muito embora tenha natureza jurídica de garantia fundamental, não pode é instrumento a amparar o infrator, mas, intrinsecamente, meio de limitação à eventual tirania estatal.
Ressalte-se que, apesar de ser impossível pelo complemento normativo da Lei de Drogas, enquadrar a droga de desenho no rol das substâncias proscritas na portaria da ANVISA, não pode o Estado calar-se inerte, apesar de não ser observado o requisito objetivo para se aplicar a pena, quando claros e nítidos a subjetividade da torpeza do agente em tentar abusar de direitos fundamentais.
O Estado, como bem entende o Supremo Tribunal Federal – STF, tem o dever de garantir o direito à segurança, não podendo se eximir para as intrujices impelidas pelo crime organizado na tentativa de perpetrar a impunidade. É neste sentido que o próprio aparato dos crimes de repugnância internacional autoriza, por via de igualdade, dentro da proporcionalidade, o uso de meios de prova excepcionais e a relativização de princípios constitucionais (Informativo 529 STF).
Ante exposto, o razoável não é a defesa de a analogia in malam partem, mas, tão somente, apontar o desafio no reconhecimento da torpeza como causa superveniente de relativização do princípio da legalidade na tela das drogas de desenho que, indene de dúvidas, têm enquadramento direito ao artigo 33, caput, da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) e indireto à portaria nº 344, de 12 de maio de 1998 – ANVISA.
REFERENCIAS
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
IBCCRIM. Drogas de desenho: novas fronteiras para o conceito de legalidade. Editorial. Boletim IBCCRIM, n. 303, fev. 2018. BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 out. 2019 BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 25 out. 2019 BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 25 out.2019. BRASIL. LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 25 out. 2019.
Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/. Acesso em: 25 out. 2019
Coautor: Gabriel Moras Monteiro de Paula Vilela. Estagiário de Direito junto à 1ª Unidade Jurisdicional de Juizados Especiais da Comarca de Barbacena/MG. Graduando em Direito no Centro de Estudos Superiores Aprendiz.