Em questões dissertativas recentes de concursos públicos (Ministério Público, inclusive) houve exploração dos institutos da Autoria Imediata e da Autoria Mediata. Sendo indispensável que o candidato avalie a diferença entre as hipóteses de autoria para apresentar uma conclusão adequada, passa-se a diferenciação.
A Autoria Imediata ocorre quando o sujeito (ele mesmo) executa o delito, seja de forma direta (“pessoalmente, desferindo um tiro mortal”, e.g.); seja de forma indireta (“quando o agente se vale de animais, por exemplo, para o cometimento do crime”)
A Autoria Mediata é verificada quando o Autor (também chamado de “homem de trás”) domina a vontade alheia e, a partir de então, se vale de terceira pessoa como instrumento (Stubel, 1828). Exemplo clássico: “Médico quer matar inimigo que está hospitalizado e se serve da enfermeira para misturar injeção letal no paciente”.
Imaginemos, porém, a seguinte situação: Mévio, pai de família, deixou sua arma de fogo sobre a mesa da sala de sua casa. Seu filho, Caio, uma criança, a manuseia, de modo a produzir um disparo que atinge outra criança, Tício, causando-lhe a morte. Neste caso, deve Mévio ,genitor de caio, responder pelo homicídio em situação de autoria mediata?
Frente ao conceito genérico de Autoria Mediata, insta expor suas características fundamentais, quais sejam:
A) nela há pluralidade de pessoas, mas não co-autoria nem participação (ou seja, não há concurso de pessoas); B) o executor (agente instrumento) é instrumentalizado, ou seja, é utilizado como instrumento pelo autor mediato;
C) o autor mediato tem o domínio do fato;
D) o autor mediato domina a vontade do executor material do fato;
E) o autor mediato, chamado “homem de trás” (pessoa de trás ou que está atrás), não realiza o fato pessoalmente (nem direta nem indiretamente).
A partir do conceito delimitado do instituto, parte-se ao enfrentamento do cabimento ou não do instituto ao caso em tela, pelo que será verificada a responsabilidade de Mévio segundo os princípios elementares do Direito Penal.
Diante do mencionado, em que pese a conduta no mínimo negligente de Mévio, é visível a inaplicabilidade do instituto da Autoria Mediata, quanto ao disparo fatal em desfavor de uma criança, para imputar responsabilidade Penal a Mévio. Isto porque, a análise jurídica de casos concretos exige uma compatibilidade entre o caso prático e a essência, a finalidade e as condições de aplicabilidade de eventuais institutos. Insta verificar, tão logo, o enquadramento da conduta de Mévio às características fundamentais da Autoria Mediata para, na sequência, adentrar aos termos conclusivos, vejamos.
O caso a baila envolve dois sujeitos elementares, Mévio – dono da arma – e Caio – Criança que realizou o disparo. Fato é que Mévio, dono de conduta no mínimo negligente, não realizou a conduta pessoalmente, nem direta, nem indiretamente. Noutro giro, o filho de Mévio não foi usado por ele como instrumento para atingir determino fim ilícito (morte de outra criança); Mévio não possuía o domínio do fato e também não o desejava (seja por dolo ou dolo eventual) e; Mévio não realizou qualquer influência quanto a vontade de seu filho, executor material do fato.
É fundamental destacar que as características da Autoria Mediata são cumulativas, devendo – para reconhecimento de responsabilidade penal com fulcro no instituto, gozar de enquadramento integral ao caso concreto.
Diante do exposto, a conclusão merecida é que Mévio – pai de família que deixou sua arma de fogo sobre a mesa da sala de sua casa, vindo filho, uma criança, a manuseá-la de modo a produzir um disparo que atinge outra criança, causando-lhe morte – não pode responder por homicídio em situação de autoria mediata uma vez que, dentre suas 5 (cinco) características elementares, foi possível identificar – em tese – apenas 2 (duas), a saber: a pluralidade de pessoas (Mévio e seu filho); e o fato de o “Homem de Trás” não ter realizado o ato pessoalmente, nem direta nem indiretamente. Por derradeiro, tem-se por impossível aplicar a responsabilidade Penal a Mévio por Homicídio em situação de Autoria Mediata.
Por fim, e por amor ao bom direito, cabe mencionar que na aplicação da Lei Penal os operadores do Direito devem sempre atentar-se para o princípio da intranscendência, da pessoalidade ou da personalidade da pena, segundo o qual somente o agente delituoso, e ninguém mais, poderá responder pelo fato criminoso praticado, não podendo a pena passar da pessoa do condenado (art. 5º, XLV da Constituição Federal de 1988).
Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Gerente de Apoio Jurídico da Advocacia Geral do Município de Barbacena/MG. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.