A Lei 8.072 de 25 de julho de 1990 dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.
No momento atual de “crise” entre os Poderes Legislativo e Judiciário, protagonizada pela conduta de Renan Calheiros ao se referir ao Magistrado Federa, Doutor Vallisney de Souza Oliveira, como “Juizeco de primeiro grau” insta refletir quanto aos regimes prisionais na fase executória da aplicação da pena, assunto que já foi alvo de grande divergência entre os supramencionados poderes.
O texto do artigo 2, § 1º da Lei 8.072 de 1990 dispunha que “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.
A lei 11.464 de 2007, todavia, alterou a redação do dispositivo em estudo para consagrar que “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”.
O estudo da pena passa por três fases principais, a saber: legislativa; judicial; e administrativa, também chamada de fase da execução. A primeira, como o próprio nome já diz, é de competência do legislador, momento em que será estipulada uma proibição a determinada conduta de relevância penal e cominada uma sanção em abstrato àqueles que insistirem naquele comportamento (por exemplo, artigo 121 do Código Penal: matar alguém. Pena – reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos).
A fase judicial, por sua vez, cabe ao poder judiciário, ou seja, são os membros da magistratura os responsável pela fixação da pena base de acordo com as circunstância judiciais disponibilizados ao teor do artigo 59 do Código Penal de 1940 (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, circunstâncias e conseqüências do crime, comportamento da vítima); pela incidência de atenuantes e agravantes e pelo reconhecimento de causas de aumento ou de diminuição de pena.
Após a fase judicial, momento em que, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, estaremos diante de uma pena em concreto, tem início a terceira e última fase: a administrativa/executiva. Neste momento a competência passa ao juízo das execuções penais e, mais uma vez, um membro do poder judiciário deve apreciar os mais diversos institutos (objetivos e subjetivos) que regem a aplicação efetiva da pena.
O Direito Penal, por natureza, está sujeito aos princípios da lesividade e da mínima intervenção. A lesividade impõe ao intérprete a idéia de que o Direito Penal só é legítimo quando destinado a apreciar lesões a bem
jurídico de terceiros. Segundo tal princípio, seria impossível se falar em punição à autolesão (na legislação, inclusive, é um tipo penal a conduta de quem induz, instiga ou auxilia o suicídio – artigo 122 do Código Penal – mas não daquele que tenta se matar e não logra êxito).
Por sua vez, a mínima intervenção possui sua natureza dúplice na fragmentariedade e na subsidiariedade. Para este princípio o Direito Penal é o ramo do Direito destinado a tratar das lesões mais graves aos bens jurídicos mais importantes se, e somente se, outro ramo menos agressivo do ordenamento não seja suficiente para tutelar os bens jurídicos em jogo.
Ademais, além dos princípios mencionados, é fundamental mencionar o princípio da individualização da pena, garantia constitucional imposta para nortear as três fases da aplicação penal.
O princípio da individualização da pena busca aproximar – caso a caso – as subjetividades e objetividades inerentes ao agente delituoso à concretude penal. Não só àquela inerente por natureza à conduta praticada pelo delinqüente, mas à todos os fatores relacionados ao agente e ao contexto delitivo.
Dito isto, cabe apontar a natureza da divergência entre os poderes legislativo e judiciário no tocante ao regime prisional nos crimes hediondos e equiparados – Artigo 2º, § 1º Lei 8.072/90.
Ora, crimes hediondos e hediondos equiparados nada mais são do que condutas apontadas pelo legislador como de gravidade abstrata e repúdio social peculiares. São condutas que, ainda mais que as outras previstas na legislação penal, merecem uma atenção maior dos operadores do direito.
Assim sendo, a título de exemplo, os crimes hediondos e equiparados são insuscetíveis de anistia, graça e indulto, sendo também inafiançáveis.
Conforme mencionado, o princípio da individualização da pena deve nortear todas as fases legislativas. Assim sendo, cabe ao poder judiciário, na fase judicial, apontar a pena em concreto a ser enfrentada pelo condenado, bem como o regime prisional para cumprimento da sanção. Pois bem, se é atribuição do poder judiciário fixar o regime prisional, não estaria equivocado o legislador ao afirmar em texto legal que o regime de cumprimento de pena para crimes hediondos e hediondos equiparados é integralmente, ou mesmo inicialmente, fechado?
Neste sentido, entendendo que a disposição legal em estudo violava o princípio da individualização da pena e a independência e harmonia entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, nos temos do artigo 2º da
Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Habeas Corpus 111.840 de relatoria do Ministro Dias Toffoli, entendeu pela inconstitucionalidade do artigo 2º § 1º da Lei de Crimes Hediondos com fundamento na ofensa à garantia constitucional da individualização da pena.
Destarte, a decisão da corte constitucional está em sintonia perfeita aos ditames constitucionais. Imaginemos que, em uma tentativa de estupro, por exemplo, o agente seja condenado à pena mínima com incidência da causa de diminuição de pena constante ao artigo 14 § único do Código Penal no máximo (2/3), gerando uma pena em concreto de apenas 2 (dois) anos. Seria teratológico fixar um regime de cumprimento de pena inicialmente/integralmente fechado.
Assim sendo, a aplicação da pena possui natureza objetiva e subjetiva e restará prejudicada quando houver desrespeito procedimental ou de competência a qualquer de suas fases: seja a legislativa, a judicial ou a administrativa/executiva.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos