Tema recorrente em concursos públicos, no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes e no ENEM, o sistema educacional brasileiro vem sofrendo significativas mudanças no século XXI, mormente pela inclusão de indivíduos historicamente inferiorizados nos programas sociais de inclusão e isonomia. Fato tal, leva a um debate universal de classes pautado na constitucionalidade, ou não, de ações afirmativas, mormente quanto às políticas públicas de caráter racial.
As ações afirmativas, nada mais são, do que a essência prática do princípio da igualdade, em sua modalidade formal e material/substancial. A igualdade formal, consoante à letra constitucional do artigo 5º, caput e inciso I, é refletida a partir do tratamento igual aos iguais. Neste âmbito, presume-se uma situação em que todo e qualquer ser humano deve ser tratado nos mesmos termos, todavia – conforme se nota na realidade social – em situações específicas de desigualdade catastróficas, é teratológico se falar em tratamento isonômico de indivíduos com realidades dispares; momento em que emerge a faceta material do princípio da isonomia.
A igualdade substancial, conforme já tratado em outros artigos, impõe, a luz do controle convencional, um importante complemento à isonomia constitucional, qual seja: trata-se os iguais de forma igual (igualdade formal); e os desiguais na medida de sua desigualdade (igualdade material).
Nada obstante, é inegável a polêmica pertinente à legitimidade de programas de cotas no país, quanto mais tratando-se de reserva de vagas universitárias fundadas em critérios étnicos-raciais.
O Supremo Tribunal Federal apreciou a matéria na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186 (ADPF nº186) proposta pelo Partido Democratas (DEM) para questionar o sistema adotado pela Universidade de Brasília a partir de 2004.
Em abril de 2012 a ação foi julgada improcedente por unanimidade na Corte Constitucional, garantindo a legalidade do programa que reserva 20% das vagas da UnB para candidatos autodeclarados negros e pardos.
A divergência protagonizada no julgamento, pela lógica instrumental, estava relacionada à constitucionalidade, ou não, de pautar políticas sociais com base em critérios étnicos-raciais.
Dentre os diversos argumentos enfrentados pelos Ministros na ADPF 186, alguns, segundo Clarice Seixas, merecem destaque, a saber: (i) a análise do significado do princípio da igualdade material em suas diferentes vertentes e sua utilização como os fundamentos para a adoção de políticas de
ação afirmativa no contexto do Estado Social e Democrático de Direito; (ii) a necessidade de revisão dos mecanismos tradicionais de seleção de candidatos ao ingresso no Ensino Superior no Brasil, tendo em vista a necessidade de ampliação das oportunidades educacionais a grupos tradicionalmente excluídos; (iii) a legitimidade e pertinência da adoção de programas de reserva de vagas para o ingresso no Ensino Superior, baseados em critérios étnicos-raciais e a necessidade de superação do “mito da democracia racial”; (iv) o questionamento da idéia de que a adoção de cotas raciais, além de violar o princípio meritocrático, reduz a qualidade e o nível de excelência das universidades.
Para uma melhor compreensão, vale mencionar Flávia Piovesan, segundo a qual “na esfera internacional, se uma primeira vertente dos instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcionar uma proteção geral, genérica e abstrata, refletindo o próprio temor da diferença, percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a determinados grupos uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas, ao revés, para sua promoção”.
Assim, a conclusão merecida passa, indiscutivelmente, pela consonância das políticas de ações afirmativas com a ordem constitucional interna e convencional internacional, constituindo medidas indispensáveis ao primado da Justiça Social e do Estado Democrático de Direito, o qual, por essência, reconhece, valoriza e garante o direito à diferença.
As cotas universitárias possuem por finalidade a democratização do sistema educacional superior, garantindo “possibilidade de ascensão social de grupos vulneráveis e minorias. Noutro giro, para diversos grupos, a adoção de cotas sociais são suficientes para promover a igualdade e compensar os males da discriminação, posicionamento que ousamos discordar por entender que as enquetes e pesquisas disponibilizadas demonstram, inequivocamente, que ainda há um abismo numérico entre negros e brancos quanto aos cargos de alto escalão na iniciativa pública ou privada.
Portanto, ao nosso ver, acertou a Corte Constitucional ao entender pela constitucionalidade da democratização do ensino superior. Igualdade se faz com representatividade.
Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Gerente de Apoio Jurídico da Advocacia Geral do Município de Barbacena/MG. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.