Fato debatido por juristas há algum tempo, a prestação de serviços sexuais – prostituição – ganhou destaque no informativo 584 do Superior Tribunal de Justiça.
Bem, que prostituição existe é notório e sabido. Duvida, todavia, reside quanto à possibilidade, ou não, de tutela jurídica às profissionais do sexo. Noutros termos, seria possível a cobrança de valores devidos em razão de contrato verbal de prestação de serviços sexuais perante a justiça? Se sim, de quem seria a competência?
Primeiramente, indispensável esclarecer que prostituição não é uma figura típica no Código Penal de 1940, ou seja, o ato de prostituir-se, ao contrário do que muitos pensam, não é crime na República Federativa do Brasil. Crime, na verdade, é o Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, constante aos termos do artigo 228 da Codificação Penal vigente, a saber: “Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone”.
Há inclusive quem questione a legalidade, ou mesmo constitucionalidade, do supra dispositivo com fundamento na preocupação com o papel de garantidor da segurança das prostitutas pela figura do “cafetão”, todavia a nossa proposta, ao menos por agora, não é esmiuçar o debate, mas esclarecer preceitos básicos do assunto e os posicionamentos mais afetos à Constituição Federal de 1988.
Passado o “ponta-pé” inicial, o informativo 584 do Superior Tribunal de Justiça trouxe a baila um caso particular que permite inferir qual seria a tendência de uniformização do entendimento da Corte legal.
O caso apreciado pelo Tribunal, basicamente, tratou do julgamento de uma mulher denunciada nas iras do artigo 157 do Código Penal (roubo). Constou na exordial acusatória que a Ré roubou uma corrente folheada a ouro da vítima após a negativa de pagamento pelo programa sexual.
Em primeira instância a Juíza competente desclassificou a conduta para exercício arbitrário das próprias razões nos termos do artigo 345 do Código Penal, quais sejam: “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”.
Em apelação, a pretensão do representante do Ministério Público foi acolhida e, provido o recurso pelo Tribunal de Justiça de Tocantins, houve condenação da Ré por roubo.
Impetrado habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, vingou o entendimento pela desclassificação, ou seja, entendeu a Corte Legal que a conduta da
Ré poderia ser enquadrada no tipo penal do artigo 345 (exercício arbitrário das próprias razões), e não do artigo 157 (roubo).
Para se mensurar a diferença, o preceito secundário do crime de roubo, no caput, prevê como pena reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, por outro lado a pena estabelecida pela infração penal de exercício arbitrário das próprias razões é de detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa.
Nada obstante ao argumento do Parquet de que a cobrança por serviços sexuais não poderia ser exercida em juízo, o que impediria o enquadramento da conduta no delito do art. 345 do CP por ausência de “pretensão legítima”, elementar daquele tipo penal, prosperou, na decisão do Superior Tribunal de Justiça, o argumento de que não seria possível negar proteção jurídica ao anseio das profissionais do sexo em receber o pagamento pelos serviços prestados.
Noutro giro, a posição de grupos feministas, majoritariamente, tem sido contrária a qualquer tipo de regulamentação da prostituição como profissão legítima e adequada socialmente. Segundo a professora, e militante feminista no Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro (Juiz de Fora/MG), Lailah Garbero de Aragão, “o principal projeto em trâmite quanto à regulamentação da prostituição tem se fundado na legalização das casas de prostituição, o que seria a regulamentação de uma relação opressora que já nasce viciada e tende apenas à objetificação do corpo da mulher, e não em garantir sua dignidade”. Ainda segundo a professora, “a militância, em regra, não é contrária ao resguardo, pela jurisprudência, dos direitos trabalhistas das profissionais do sexo, mas não pode concordar ou aceitar a perpetuação de uma relação de abuso e opressão quanto ao papel do cafetão/cafetina”. Seria, segundo ela, a continuidade da violência contra a mulher, ainda que regulamentada.
Ambos os posicionamentos são respeitáveis, sendo indiscutível que as profissionais do sexo são expostas constante e diariamente a riscos, o que faz legítimo qualquer preocupação ou proposta idealizada na garantia da segurança de homens e mulheres que prestam serviços sexuais. A postura não pode ser outra, senão reconhecer como ponto de partida a dignidade de todos os envolvidos na atividade em tela, mormente, pela vulnerabilidade histórica, das mulheres.
Por fim, insta lembrar que a prostituição consta no item 5198 do Código Brasileiro de Ocupações de 2002. Assim sendo, não parece razoável afirmar que aquela(e) que exerce a prostituição não pode recorrer à Justiça do Trabalho para reivindicar a execução de contrato verbal com natureza de prestação de serviços sexuais, até pela obediência às diretrizes constitucionais constante aos incisos XXXV e LXXVIII da Carta Magna a saber: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos.