BREVE ANÁLISE ACERCA DO PROJETO LEI-ANTICRIMES

No que pese a aparente sensação de impunidade na realidade brasileira atual, é importante introduzir a discussão acerca da possível lesão ao Direito Penal-constitucional pelo projeto de Lei-anticrimes. Entenda.

O presente tem por finalidade primordial analisar de forma sistemática alguns pontos de grande relevância para o Direito Constitucional-penal, demonstrando seus efeitos diante de princípios constitucionais de extrema importância para o ordenamento jurídico nacional, afinal é de suma notoriedade que a força normativa dos princípios oriente o intérprete na hermenêutica conjunta do direito.

Segundo Celso Lafer, “a Jurisprudência deve se por a serviço de dois senhores: a Lei e a realidade. Só por meio dessa tensão da atividade judicial é que se poderá respeitar a concepção prática do direito”. Neste liame, a Carta Magna é instituto de exigibilidade da vedação a qualquer violação dos Direitos Fundamentais extraídos do artigo 5º da Constituição de Federal de 1988.

O projeto em tela (anticrimes) tem por finalidade a adição ao Código de Processo Penal, mais precisamente incrementando um novo artigo na codificação, em tese o 395-A, onde uma inclusão de soluções mediante acordo penal, com aplicação imediata da pena, seria verificada.

É essencial, antes de adentrarmos a uma analise constitucional da adição da previsão legal, conhecermos um pouco sobre o princípio constitucional do devido processo legal, insculpido no inciso LIV, do artigo 5º, da Carta Cidadã.

Como bem salienta o Doutrinador Alexandre de Moraes, “a Constituição Federal de 1988 incorporou o princípio do devido processo legal, que remonta à Magna Charta Libertatum de 1215, de vital importância no direito anglo-saxão”.

Além disso, o princípio em cotejo também está expresso no art. XI, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, valendo transcrição: “todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

O devido processo legal, além de estar estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, como defende Gilmar Mendes, é de suma importância para assegurar e garantir o direito constitucional. Segundo o Ministro da Suprema Corte, “é provável que a garantia do devido processo legal configure uma das mais amplas e relevantes garantias do direito constitucional, se considerarmos a sua aplicação nas relações de caráter processual e nas relações de caráter material (princípio da proporcionalidade/direito substantivo)”.

Note-se, pois, que desse renomado e valioso princípio, se desdobram outros. Alexandre de Moraes destaca que o due process of law “configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).”

A partir das diretrizes derivadas do devido processo legal, é possível identificar certa incompatibilidade do artigo proposto pela lei-anticrimes com o Direito Penal-constitucional, afinal o acordo penal vai de encontro ao próprio princípio da individualização da pena, também expresso na Constituição Federal.

A aparente violação ao Devido Processo Legal vem no conflito entre a previsão de “após o recebimento da denúncia ou queixa e até o início da instrução, o Ministério Público ou o querelante e o acusado, assistido por seu defensor, poderão requerer mediante acordo penal a aplicação imediata das penas” e a presunção constitucional de inocência, eis que da mesma forma que a testemunha é a prostituta das provas, a confissão não é a sua rainha.

A hermenêutica literal dos dispositivos penais vigentes, notadamente os artigos 396 e seguintes do Código de Processo Penal, leva à presunção de ofensa à indispensável defesa do acusado, afinal não se pode aplicar sanções penais sem esgotar todos os meios de prova e defesa para que, tão logo, se prove a inocência do Réu ou, eventualmente, sua culpa concreta.

Ressalte-se que controle de constitucionalidade é tema de peculiar sensibilidade e que, em se tratando de Direito Penal, na via hermenêutica principiológica, muitos aspectos devem ser considerados, inclusive a realidade social da comunidade. Trata-se o presente, pois, de análise meramente preliminar e simplista acerca do tema com finalidade, indene de dúvidas, de introduzir a discussão de evidente relevância.

Sob outro enfoque, tendo em vista os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, bem como na ratio do Direito Penal-constitucional, entende-se, com a devida vênia, pela aparente inconstitucionalidade da implantação do artigo 395-A ao Código de Processo Penal, em especial por estarem os direitos e garantias fundamentais, previstos expressa ou tacitamente na Constituição Federal, amparados pelo princípio internacional da vedação ao retrocesso.

BIBLIOGRAFIA

Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 12. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2017. – (Série IDP)

Direito constitucional / Alexandre de Moraes. – 34. ed. – São Paulo : Atlas, 2018.

Processo Penal/Norberto Avena.– 11.ed.–Rio de Janeiro: Forense, São Paulo MÉTODO, 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Dr. Hugo Viol Faria

  • Professor Orientador
  • Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG
  • Pós-graduado em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio
  • Mestrando em Gestão de Pessoas
  • Advogado. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos, Direito Penal e Prática Penal
  • Delegado de Prerrogativa da Terceira Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil
  • Ex-Assessor de Juiz na Vara Criminal da Comarca de Cataguases/MG.
  • Ex-Coordenador de Gestão de Contratos e Convênios da Secretaria Municipal de Saúde e Programas Sociais do Município de Barbacena/MG

Autor: Rodrigo da Silva Taroco
Soldado Músico da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais

Graduando em Direito no Centro de Estudos Superiores Aprendiz

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