“Temos uma porcaria de uma Constituição ao se referir a Direitos Humanos. Não há pena de morte aqui. O cara não teme nada. Ah, e essa ideia de que mataram 60 (sessenta) mil vagabundos? Eu queria que matasse 200 (duzentos) mil vagabundos. Eu to preocupado é com os inocentes que morrem”.
Não. A frase inaugural do presente artigo não foi proferida por um ditador. Foi dita, na verdade, pelo Deputado Federal Jair Bolsonaro, símbolo atual de intolerância e radicalismo. Novamente, pelo momento político vivido no Brasil, nos propomos a apresentar uma crítica ao, cada vez mais comum, discurso de ódio, notadamente quando filhos de autoridades públicas do alto escalão não recebem o tratamento isonômico esperado ao delinquir.
Em outra oportunidade questionamos e, no presente, ratificamos a dúvida: qual a punição, ou a investigação, dada ao caso envolvendo um helicóptero, pertencente a grandes Políticos mineiros, carregado de cocaína?
No decorrer da semana passada, inclusive, tivemos oportunidade de realizar uma defesa técnica em que o Apenado, flagrado em fuga do Estabelecimento Prisional quando em gozo de albergue, pela benesse da progressão de regime ao semiaberto, foi penalizado com a regressão cautelar de regime.
Lado outro, nos aportou notícia de que a recaptura do Apenado foi realizada em estado de inconsciência às beiras da Linha do Trem que cruza a cidade de Barbacena/MG, local conhecido no meio policial como ponto de uso de drogas ilícitas.
Após a experiência como Assessor de Juiz na Vara Criminal de Cataguases/MG, reduzimos as críticas à repressão das drogas ilícitas no Brasil e aumentamos significativamente os questionamentos à Lei de Drogas (Lei 11.343/06), bem como à discricionariedade absoluta que gozam os operadores do Direito, incluídos ai as Autoridades Policiais, na estigmatização daquele que é, ou não, traficante de drogas.
Segundo dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça, a população carcerária brasileira está em 654.372 (seiscentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e setenta e dois) presos, sendo que, destes, 221.054 (duzentos e vinte e um mil e cinquenta e quatro) são presos provisórios, ou seja, ainda aguardam julgamento.
Leia-se, portanto, que os termos do artigo 5º, LVII da Constituição Federal de 1988 não constituem regra, ou seja, no Brasil, empiricamente falando, não existe aquela história de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Vale reiterar, portanto, que a Lei 11.343/06 (lei de drogas) foi tímida e ambígua no apontamento dos requisitos para diferenciação entre traficantes e usuários, fato este a questionar a ausência de diferenciação entre o pequeno e o médio traficante, levando à absurdos e lesões diárias à Carta Democrática.
Aos leitores mais curiosos, a tortura finda por aqui: no mérito da Defesa Técnica mencionada optamos, por coragem e honestidade, com anuência do Apenado e da família, ressaltar que inúmeros jovens são seduzidos ao tráfico de drogas como forma de sustento do próprio vício, não sendo exceção a realidade do Justificante em tela.
Averbe-se que o Senhor A.S. havia cumprido em torno de 3 (três) anos de pena em regime fechado, tendo, nas semanas iniciais com condição de albergado, protagonizado faltas e atrasos no retorno ao ambiente prisional.
Desta forma nobre leitor, a conclusão se fez por silogismo, momento em que apontamos as seguintes premissas ao poder judiciário: (1) Qual o fim elementar da Execução Penal? R: Ressocialização; (2) Por quanto tempo o apenado cumpriu pena em Regime Fechado? R: 2 (dois) anos e 6 (seis) meses. (3) Houve reiteração delitiva no retorno gradual ao convívio em sociedade? R: Sim, uso de drogas (Art. 28, Lei 11.343/06). (4) Houve ressocialização? R: Não, sendo medida de rigor verificar se o ambiente carcerário é compatível com a patologia do Sentenciado.
O artigo 183 da Lei de Execuções Penais é claro ao apresentar a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança, vejamos: “quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança”.
Desta feita, em sendo a saúde direito subjetivo do Reeducando, nos termos do artigo 41, VII, da Lei 7.210/84, é, no mínimo, um contrassenso tratar o problema do Apenado com drogas ilícitas como matéria de política criminal e não de ordem de saúde pública.
Ademais, contrassenso maior é continuar tratando negro, pobre e favelado como responsável pelo problema avassalador das drogas na sociedade brasileira, e, no mesmo contexto, tapar os olhos e tratar como “coitado” o filho da Desembargadora presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul (TRE-MS), preso em flagrante com 129 (cento e vinte e nove) quilos de maconha e 270 (duzentos e setenta) munições de grosso calibre, que, pela natureza e circunstâncias, indicam, elementar de dúvidas, dedicação habitual ao crime organizado.
Destarte, nossa defesa, agora como cidadão e independentemente de casos concretos elucidativos, vai no sentido de que o Brasil vive o momento mais drástico de violações a Direitos Humanos desde a Constituição Federal de 1988. Por logo, se não existe cadeia vazia no Brasil, não há que se falar em impunidade, mas em punibilidade seletiva e, quiçá, “bolsonariana”.
Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG.
Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio.
Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.
Ex-Assessor de Juiz na Vara Criminal da Comarca de Cataguases/MG.
Ex-Coordenador de Gestão de Contratos e Convênios da Secretaria Municipal de Saúde e Programas Sociais do Município de Barbacena/MG.
Ex-Gerente de Apoio Jurídico da Advocacia Geral do Município de Barbacena/MG.
