Belo Monte: exemplo de energia sustentável ou um estado de coisa inconstitucional?

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O Supremo Tribunal Federal reconheceu no sistema carcerário brasileiro um “estado de coisa inconstitucional”, tendo em vista a existência de um “quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar o estado de inconstitucionalidade”.
Insta inicialmente expor os termos dos artigos 225 e 232 da Constituição Federal, segundo os quais, respectivamente, o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a participação jurisdicional de comunidades indígenas são garantidos, vejamos: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”; e “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.
A usina de Belo Monte, maior projeto de infraestrutura da América Latina e principal projeto energético do Brasil, terá, quando integralmente instalada, potência de 11,233.1 MW, com média de 4.500 MW. Nada obstante à imensa magnitude, a execução do projeto levará à inundação de 516 km² a 668 km², exigindo que mais de 30.000 (trinta mil) pessoas sejam deslocadas.
No ano de 2010 algumas ações civis públicas já haviam sido apresentadas pelo Ministério Público Federal. Lado outro, por solicitação do executivo, “cinco medidas liminares haviam sido suspensas”.
Em 2011 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, após representação de organizações em prol das comunidades afetadas pela inundação, outorgou medidas cautelares e, mediante questionamento do procedimento de licença, solicitou a suspensão do licenciamento da usina até que o Estado brasileiro elaborasse medidas urgentes para minimizar impactos aos Direitos Humanos.
Restando pouco tempo para o final das obras, os impactos ambientais e aos Direitos Humanos são irrefutáveis, sendo nítido o total desleixo com as condicionantes previamente impostas para minimizar os impactos sociais da obra.
Segundo artigo de autoria de Flávio do Amaral Vieira, Astrid Puentes Riaño e Rodrigo José da Costa Sales, “essa situação tem sido verificada pelas autoridades e organizações da sociedade civil que concluíram, dentre outros pontos, que os índices de violência em Altamira – cidade onde está sendo construída a represa, aumentou em 80%; e que as melhoras dos serviços de saúde, educação e saneamento básico ainda não estão funcionando”.
Ao desempenhar por um período a advocacia criminal, percebemos que a falta de empatia é uma realidade no Brasil. É raro encontrar sensibilização nas pessoas quando situações diversas, ainda que graves, não repercutam em nada nas suas vidas. Com as comunidades ribeirinhas e indígenas a realidade não é diferente; e, no que se traduz violações generalizada ao meio ambiente e aos direitos humanos de indivíduos delimitáveis, em razão do desleixo do poder público, que não em um “estado de coisa inconstitucional”?
Uma relevante consequência do represamento de água consiste na redução drástica no nível do rio Xingo na Volta Grande, especialmente no trecho de vazão reduzida, o que afeta diretamente comunidades indígenas.
O licenciamento ambiental foi normatizado no Brasil pelo CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente – exigindo três fases elementares de licenças, a saber: licença prévia, licença de instalação e licença de operação. Em Belo Monte houve irregularidades em todas as fases de licenciamento, mormente na participação e no acesso das comunidades afetadas a audiências públicas no trato do tema.
Temos ser, no mínimo, um contrassenso a postura que foi adotada na usina de Belo Monte que, nada obstante aos artigos 225 e 331 da CF, ignorou completamente a necessidade de consulta prévia às comunidades indígenas e ribeirinhas.
Pelas dimensões do projeto, Belo Monte poderia representar um exemplo do potencial do Estado brasileiro em conjugar evolução e tecnologia com convencionalidade e democracia. Ao contrário, com a evidência de mais um “estado de coisa inconstitucional” perdemos a oportunidade de alcançar uma posição única de liderança internacional e mostramos ao mundo, mais uma vez, que aqui direitos foram feitos para serem violados.
IMG_20160513_090651Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Assessor de Juiz na Vara Criminal de Cataguases/MG. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.

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