Na última semana houve grande repercussão quanto a decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que, entendendo que o “estupro é um ato de violência, não de sexo”, reformou decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, fazendo prevalecer sentença que condenou um jovem de 18 (dezoito) anos por estupro por ter dado um beijo forçado em uma adolescente de 15 (quinze) anos.
A sentença havia condenado o Réu a 8(oito) anos em regime inicialmente fechado, todavia o Tribunal, argumentando que o ato não configurou estupro, mas “beijo roubado”, absolveu o Denunciado.
Para o Relator do caso, Ministro Rogério Schietti Cruz, a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso utilizou fundamentação lesiva à liberdade sexual das mulheres: “o tribunal estadual emprega argumentação que reproduz o que se identifica como a cultura do estupro, ou seja, a aceitação como natural da violência sexual contra as mulheres, em odioso processo de objetificação do corpo feminino”, aduziu o Ministro.
A repercussão social do crime previsto ao teor do artigo 213 e seguintes do Código Penal (crimes contra a dignidade sexual) não é novidade. No ano de 2016, inclusive, houve a exposição midiática de um estupro coletivo (aproximadamente 30 homens), tendo como vítima uma adolescente de 18 (dezoito) anos.
Naquele caso, muito foi discutido a respeito de questões pessoais da vítima (roupas; postagens em rede social; fotos, comportamento sexual etc), todavia o comportamento da vítima, previsto no dispositivo 59 da Codificação Penal de 1940 como instituto formador da pena base, não deve abranger a situação a baila.
Isto por que, majoritariamente, o comportamento da vítima deve ser interpretado quanto a situações injustas, indevidas ou ilegais que poderão ser consideradas como favoráveis aos agentes.
Avaliar que, nos crimes contra a dignidade sexual, o comportamento “promíscuo” da vítima instiga o agressor é, indiretamente, afirmar que em culturas de vestimentas que cobrem o corpo todo a prática do estupro não existe, o que sabemos não prosperar.
Neste sentido, a conclusão alcançada pelo presente raciocínio é que o comportamento da vítima de crimes contra a dignidade sexual (roupas curtas, gestos, forma de dançar, postagens ou fotos em redes sociais, etc) não leva a qualquer interpretação quanto o benefício do agente na fixação da pena base, até por que – caso fosse – estaríamos diante de estigmatização de
figuras como “mulheres mais dignas” e “mulheres menos dignas”, conceito já superado pelo Direito brasileiro.
Com o devido respeito à contribuição histórica da teoria defendida por Schunemann, denominada vitimo-dogmática, a realidade contemporânea, com o aprimoramento de estudos filosóficos e sociológicos, impõe uma interpretação história e constitucional do Direito e do Processo Penal.
Ora, o número relevante de adeptos leigos à teorias tendentes à culpabilizar a vítima demonstra a quão machista e sexista a sociedade brasileira ainda é.
Com o advento – por determinação internacional – da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi demonstrada a relevância do indivíduo no Direito das Gentes e, desta forma, solidificada a idéia – já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal – da legalidade das ações afirmativas com fundamento na igualdade substancial ( tratam-se os iguais de forma igual e os desiguais na medida de sua desigualdade).
Pensar diferente seria imaginar uma sociedade ideal em que apenas a igualdade formal seja suficiente para tutelar o bem jurídicos dos iguais, todavia é nítido não ser o caso. O Brasil, em termos majoritários, não possui o menor senso de empatia e, em comentários sujos e maldosos, busca – sempre – agredir pessoas hipossuficientes e estigmatizadas.
Sem mais delongas, a análise nas redes sociais da decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, bem como, meses atrás, do caso de estupro coletivo mostra, em termos empíricos, como a mulher brasileira precisa continuar sendo protegida por ações afirmativas no combate à descriminação, ao preconceito e à violência neste contexto.
Por logo, não há – a nosso ver – qualquer possibilidade de interpretação em que o “comportamento da vítima” sirva de circunstância judicial favorável ao Denunciado na fixação da pena base, ou venha excluir a tipicidade, ilicitude ou culpabilidade do delito.
Por fim, culpabilizar a vítima de estupro tão somente por seu suposto comportamento “promíscuo”, antes de um caso de teorias do Direito Penal, é um caso de Humanidade e empatia, valores que, na realidade contemporânea de ódio entre classes, não constam ao dicionário. Parabéns à 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça pela decisão corajosa e necessária à tutela eficaz do público feminino.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos