Prezados leitores e prezadas leitoras, o título causou estranheza? Ainda que não tenha causado o sentimento de repulsa, consignamos, desde já, que a intenção da frase inaugural foi provocar e gerar indignação.
Em linhas anteriores informamos ao público barbacenense que o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim) demonstrou preocupação no que tange ao fato de, na Câmara dos Deputados, alguns projetos que tratam de segurança pública terem sido pinçados para criação de um “pacote” para responder à pressão popular.
Flávia Piovesan, Advogada Pública membro da Comissão Interamerica de Direitos Humanos, expõe, com o brilhantismo que lhe é inerente, que a Tutela aos Direitos das Mulheres é pauta tripartida, a saber: “combate à violência doméstica e familiar contra a mulher; combate à discriminação contra a mulher; defesa do direito sexual e reprodutivo da mulher”.
Por silogismo ao Populismo Punitivo, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que nasceu com o condão de aumentar a benesse da Licença-Maternidade foi levianamente alterada. Ao contrário dos termos iniciais, a PEC se instrumentalizou no objeto de criminalizar o aborto em qualquer hipótese, inclusive nas gestações derivadas de Estupro. Teratológico!
A PEC 181 nada mais é, portanto, do que arma de segregação contra a mulher, especialmente por não ser o direito à vida absoluto. Citando precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, assim se manifestaram Ana Souza Prata e Paula Machado de Souza: “(…) Percebe-se, portanto, que o direito à vida desde a concepção não é absoluto quando em conflito com outros direitos previstos no mesmo documento e já garantidos em precedentes emanados por órgãos constitucionais de diversos países. Assim, o art. 4.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos garante o direito à vida desde a concepção, sem, entretanto, que isso possa eliminar ou reduzir os direitos fundamentais da mulher gestante, sendo que, em caso de conflitos de direitos fundamentais, o direito da mulher, essa sim com status de pessoa, deve prevalecer. O Brasil se submeteu à jurisdição da Corte IDH, devendo, assim, aplicar as normas previstas nos instrumentos de garantia de direitos, mas também sua jurisprudência, sob pena de violar a norma por não garantir sua efetividade. Assim, por mais que a PEC 181 introduza o preceito de inviolabilidade da vida desde a concepção, dever-se-ia entender com base no decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, qual seja, a concepção do nascituro não elimina ou reduz os direitos fundamentais da mulher gestante.(…)”.
O debate acerca da descriminalização ou maior repressão ao aborto está em discussão recente no Supremo Tribunal Federal, Corte Máxima do Estado brasileiro. Compulsando detidamente as partições políticas, dentro ou fora do Tribunal Constitucional, percebe-se que, contraditoriamente, tem-se verificado um protagonismo às avessas, ou seja, tem-se dado mais espaço a homens do que a mulheres.
Bem, em Barbacena/MG, com a tradicional defesa por populistas baratos da “família, do cidadão de bem e dos bons costumes”, a realidade não é outra: não se verifica, ao menos publicamente, a abertura da discussão a grupos de mulheres; grupos minoritários ou às ativistas dos Direitos Humanos.
Ao contrário, o debate parece sair – e muito – do plano jurídico, social e médico para caminhar para dogmas e preceitos religiosos, o que, pela imposição laica à república, soa, no mínimo, estranho.
Não temos a patente da verdade, não a queremos e não nos cabe julgar, ironizar ou desmerecer, como vem sendo feito em Barbacena/MG, o trabalho alheio. Lado outro, expresso – como sempre fiz – repúdio ao uso do nome de Deus para fins eleitoreiros ou financeiros.
Sob outro enfoque, o intuito real da indignação aqui consignada é expandir e popularizar, de fato, a discussão racional da problemática. Ora, nos parece empírica a observação que a vedação ao aborto é hoje, no Brasil, de aplicabilidade apenas às mulheres pobres. A mulher rica, quando quer, sai tranquilamente do país e realiza o procedimento abortivo, com segurança, em uma luxuosa clínica estrangeira.
É exatamente pela falta de isonomia que existe a possibilidade de restar inverificada a legitimidade moral no tratamento do aborto como crime no Brasil. Ademais, é imperativo que (i) o debate no âmbito barbacenense seja racional; (ii) que seja dado o protagonismo que público feminino merece e; (iii) que referido público feminino seja diversificado, ou seja, não adianta dar poder de fala apenas a uma ou duas damas da sociedade. A essência democrática da igualdade substancial não está sendo respeitada e, pelo exposto, clamo, prezados leitores e leitoras, por mais empatia e menos hipocrisia.
Hugo Viol Faria
- Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG.
- Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio.
- Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.
- Ex-Assessor de Juiz na Vara Criminal da Comarca de Cataguases/MG.
- Ex-Coordenador de Gestão de Contratos e Convênios da Secretaria Municipal de Saúde e Programas Sociais do Município de Barbacena/MG.