Decisão que repercutiu no mundo jurídico e, via de consequência, no universo dos concursos públicos, foi a tese promovida Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado sob o rito dos recursos repetitivos.
Tendo como relator o ministro Rogerio Schietti Cruz, a decisão é dotada de cunho orientativo às demais instâncias da Justiça, notadamente sobre como proceder em casos idênticos, “de modo a evitar que recursos que sustentem posições contrárias cheguem ao STJ”.
Inicialmente, fundamental delimitar o objeto. Assim, nos termos do artigo 217 – A, do Código Penal, ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos sujeita o infrator a pena privativa de liberdade de reclusão, de 08 (oito) a 15 (quinze) anos.
O questionamento que paira, a priori, é quanto à presunção absoluta ou relativa de violência perpetrada em desfavor da vítima. Vejamos o seguinte exemplo: Tício, homem com idade de 23 (vinte e três) anos, conhece Carla, adolescente com idade de 13 (treze) anos. Os apontados, apaixonados, resolvem, de livre e comum acordo, manter relações sexuais. Tício cometeu o crime de estupro de vulnerável?
A eventual tipificação penal mudaria se, em situação similar, Tício e Carla se conhecessem no aniversário de 14 (catorze) anos da inimputável?
No que tange ao tema, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que “para a caracterização do crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 (catorze) anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime”.
Averbe-se desde logo que a prática de ato sexual, ou qualquer outro ato libidinoso, com menor de 14 (catorze) anos é – em regra – prática ilícita e acarreta, por derradeiro, à responsabilidade penal do delinquente com consequente aplicação da sanção penal constante ao teor do dispositivo legal em estudo.
Sob outro enfoque, com a devida vênia ao entendimento da Corte Legal, o princípio da dignidade da pessoa humana, norteador hermenêutico de toda e qualquer relação jurídica, permite a incidência de duas críticas, meramente didáticas, ao fato de se taxar como absoluta a presunção de vulnerabilidade da vítima do crime de estupro de vulnerável.
A primeira crítica será fundada em dois princípios constitucionais de aplicação direta ao processo penal, quais sejam: proporcionalidade e individualização da pena (artigo 5 º, incisos XLVI).
Noutra banda, a segunda observação, um tanto quanto filosófica, buscará demonstrar que, em alguns casos, a afirmação de que a violência é presumida em conjunção carnal ou outros atos libidinosos com menores de 14 (catorze) anos restará afronta à própria dignidade sexual da suposta vítima. Vamos às ponderações.
Pois bem, em outras oportunidades já trabalhamos o princípio da proporcionalidade na Coluna Jurídica da @revistaVivaminas, mas nunca quanto aos seus reflexos na individualização da pena.
O princípio da individualização da pena é de aplicação indispensável em todas as fases de aplicação da lei penal, ou seja, o intérprete deve obediência ao princípio constitucional na fase legislativa, judiciária e executiva/administrativa.
Ao nosso ver, reside violação ao princípio da individualização da pena, notadamente na fase legislativa, equiparar a conduta daquele que pratica conjunção carnal, ou outro ato libidinoso, com menores de 14 (catorze) anos sem o consentimento da vítima, daqueles casos em que a mesma conduta ocorre com o consentimento do (a) ofendido (a).
Noutro giro, a impulsão global da sexualidade nos meios de comunicação faz com que crianças e adolescentes se atentem ao prazer sexual cada vez mais cedo; negar isso seria utopia.
Ressalta-se, por oportuno, que, apesar de entendermos pela violência em regra, acreditamos que, em alguns casos, é plenamente possível que a relação sexual, entre indivíduo maior de 18 (dezoito) anos e adolescente menor de 14 (catorze) anos, não acarrete relevância para o Direito Penal.
Ademais, cabe problematizar que desconhecemos processos penais em que uma mulher, maior de 18 (dezoito) anos venha a ser responsabilizada criminalmente por manter conjunção carnal com um adolescente, tendo este menor de 14 (catorze) anos.
Neste sentido, parece clarividente que o problema de generalização reside na imposição de obstáculo ao prazer feminino precoce. Além do que, diga-se de passagem, existem registro de relacionamentos que, quando do início, envolviam adultos e adolescentes de 13 (treze) anos de idade e culminaram em casamentos.
Pelo exposto, ao nosso ver, melhor seria que a presunção de violência – nos casos de relações sexuais envolvendo adultos e adolescentes menores de 14 (catorze) anos – fosse relativa. Assim, em regra, haveria responsabilidade penal, todavia sem levar ao entendimento, no mínimo desproporcional, de que todo aquele que mantém relação sexual com menor de 14 (catorze) anos, necessariamente, deve ser submetido a pena privativa de liberdade não inferior a 8 (oito) anos.
Hugo Viol Faria
Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Assessor de Juiz na Vara Criminal de Cataguases/MG. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos e Prática Penal.