Quinta-feira, 14 de julho. Dia marcante no calendário do ano de 2016. Neste dia, Christiane de Souza Andrade foi morta a facadas na frente da filha de sete anos e emocionou o Brasil, ao menos a parte do país dotada do dom da sensibilidade e da empatia.
Vídeos divulgados na rede mundial de computadores mostraram a vítima sendo abordada por um homem e, em um aparente 157 § 3º (Latrocínio), esfaqueada cruelmente, ficando aos braços da filha de sete anos.
O movimento nas redes sociais seguiu o tradicional discurso de ódio contra o delinquente e os Direitos Humanos, fatos comuns àqueles que preferem entender a atuação dos institutos humanitários como instrumento de fomento a impunidade e de defesa de “bandidos”, situação, inclusive, já combatido no Artigo intitulado Direitos Humanos e a Proteção dos Policiais Civis e Militares.
Investigações da Divisão de Homicídios do Rio de Janeiro apontaram como suspeito do crime o Sr. Rojelson Santos Baptista, o que provocou enorme mudança nos rumos da investigação e, mormente da persecução penal. Isto por que familiares da vítima reconheceram o delinquente como sendo ex-companheiro de Christiane. A motivação do crime teria sido a revolta de Rojelson com a decisão da vítima em por fim ao relacionamento de três anos.
Tem-se, por logo, duas vítimas: Christiane, que infelizmente não resistiu aos ferimentos, e sua filha, criança que terá de lutar dia a dia para superar o conflito vivido nesta traumática quinta-feira do mês de julho.
As ações afirmativas – reconhecidas como medidas legítimas e constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal – constituem instrumentos básicos da democracia moderna e do princípio da Isonomia. Atualmente, a leitura de um estado democrático de direito se faz pela vontade da maioria, respeitando o direito das minorias. Neste sentido, o princípio constitucional da igualdade (Art. 5º, I CF/88) é lido segundo a máxima do tratamento “igual dos iguais e desigual dos desiguais, na medida de sua desigualdade”.
Dispõe a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher de 1979, em seu art. 4º§1º, que os Estados-partes devem adotar ações afirmativas, como medidas especiais e temporárias destinadas a acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres.
Cumpre salientar que a adoção de ações afirmativas envolve tanto as medidas de inclusão, como as de repressão, ou seja, é materialmente possível que haja criminalização de condutas com fundamento em discriminações positivas.
Nas palavras de Bruna Pinotti Garcia e Rafael de Lazari, “as mulheres formam uma categoria vulnerável que merece proteção especial para que seja possível garantir a igualdade material entre os sexos. A razão desta vulnerabilidade reside no fato de que as conquistas femininas de independência pessoal e financeira são relativamente recentes na história da humanidade”.
Neste sentido, após condenação do Estado brasileiro em âmbito internacional, a Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, foi promulgada e instituiu importantes medidas de proteção
às vítimas de violência doméstica e familiar, todavia não foi suficiente para reduzir, de forma considerável, os índices de violência contra a mulher no país.
No ano passado entrou em vigor a lei 13.104, que inseriu o feminicídio como qualificadora constante ao inciso VI do art. 121 do Código Penal. Assim sendo, o agente que comete homicídio contra mulher por razões da condição do sexo feminino (violência doméstica e familiar; menosprezo ou discriminação à condição de mulher) não é submetido à pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, mas sim a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta).
Há discussão doutrinária quanto à constitucionalidade da nova qualificadora, bem como quanto à sua natureza redundante, entendendo alguns que o homicídio, tendo como vítima mulher, motivado pelo gênero, já seria qualificado pelo motivo fútil, todavia não é objeto da proposta debater sobre natureza legal do feminicídio.
Inclusive, segundo o Delegado titular da Unidade responsável pela investigação, Fábio Cardoso, o suspeito deve responder por homicídio triplamente qualificado.
Por fim, insta lembrar que os olhares do Estado e da coletividade, fundamentalmente pela dinâmica dos Direitos Humanos, não devem ser direcionados apenas ao caráter retributivo da pena que poderá ser aplicada ao suspeito, mas também, e principalmente, ao trato da vítima sobrevivente, a filha de Christiane, garotinha de apenas sete anos que sentiu em seu colo, às lágrimas, o corpo da própria mãe, gravemente ferido, perder pouco a pouco o calor.
Neste momento, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, a vítima sobrevivente deverá usufruir de todos os instrumentos possíveis – a serem disponibilizados pelo Estado – para fazer valer o princípio do superior interesse do infante e do jovem. Para os mais devotos: que forças divinas auxiliem nossos representantes a mudarem de prioridades, pois não se suporta mais que manchas de sangue corrompam crianças brasileiras diariamente, caso contrário, na quinta-feira passada, a violência covarde e cruel terá feito duas vítimas fatais, e não “apenas” uma.
Referência:
Manual de Direitos Humanos. GARCIA, Bruna Pinotti. LAZARI, Rafael. 2ª Ed. Pg.226.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos.