Para quem não conhece, Clarice Maria de Andrade Rocha é magistrada e a autoridade responsável pelo encarceramento de uma adolescente de 15 (quinze) anos em uma cela masculina com mais de 20 dias no ano de 2007, quando atuava em Abaetetuba.
No dia 02 de novembro de 2016, a juíza foi promovida por merecimento pelo Tribunal de Justiça do Pará, passando a responder pela Vara de Crimes contra a Criança e Adolescente de Belém.
Segundo o G1, “Clarice foi considerada omissa pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo período em que a jovem permaneceu na cela masculina, levando-a à aposentadoria compulsória em 2010.
A Associação dos Magistrados do Pará (Amepa) recorreu da decisão, vindo o STF a anular a sanção aplicada com fundamento no “exagero da punição”, “já que a magistrada não teria como saber da situação carcerária da delegacia que protagonizou uma grave violação aos Direitos Humanos”.
Sem acesso aos autos não há como entrar no mérito quanto à culpabilidade da Juíza, todavia se faz pertinente a reflexão quanto à imparcialidade no âmbito dos três poderes, mormente do poder judiciário.
O exercício da Republica Federativa do Brasil é dividido em três poderes harmônicos e independentes entre si, nos termos do artigo 2º da Constituição Federal de 1988, quais sejam: executivo, legislativo e judiciário; cada qual com suas particularidades. Há, todavia semelhanças comuns a todos, como a proteção praticamente “materna” de seus integrantes uns com os outros; e, a parcialidade maléfica ao bem estar da pessoa humana e ao princípio da isonomia – verdadeiros objetivos de qualquer estado democrático de direito – é reflexo da própria corrupção.
O que deve ser destacado é a transição do sentido concreto da idéia de associação para uma aplicação pejorativa do termo: o juiz sempre profere todas as sentenças com ética e igualdade? Mesmo naquelas em que julgará outro juiz?
A atuação de alguns magistrados nestes casos pode deixar a desejar. A ética, o senso de justiça, e o profissionalismo naturais às
carreiras jurídicas são esmagados por interesses pessoais ou mesmo por amizade e “coleguismo”, caracterizando, indiscutivelmente, ilicitude.
A vida em sociedade por gerar eventualidades jurídicas a todos, mormente em um Estado onde qualquer infração penal de menor potencial ofensivo atola os juizados especiais criminais, em desobediência ao princípio da mínima intervenção.
A vida dos Juízes não é diferente: podem processar e ser processados. O fato é a atuação peculiar de alguns magistrados ao julgar um colega, transformando-se em nítido defensor para advogar, quando deveria, por essência constitucional, julgar de forma imparcial.
Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover “a imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente”. Assim, tendo em vista que a imparcialidade é a chave mestra da justiça e que a fundamentação é o cálice da legitimação do poder judiciário, nasce uma contradição.
Por fim, o próprio ordenamento jurídico prevê situações em que o magistrado deve declarar-se impedido ou suspeito de julgar determinados processos (art. 254 CPP); entretanto em grande parte dos juízes não se consideram “amigos íntimos”, característica impositiva da suspeição, mas apenas “colegas” do juiz que integra determinado pólo processual.
Qualquer análise empírica da convivência humana constata que colegas de sala, clube, ou mesmo trabalho, possuem predominantemente uma visão preconceituosa, seja boa ou ruim, dos indivíduos com quem convive diariamente e, portanto, qualquer opinião proferida será parcial.
Por fim, deixamos claro que as explanações não são genéricas, ou seja, não são direcionadas a todos os membros do poder judiciário, mas apenas àqueles que abrem mão, de forma ilegal e inconstitucional, da imparcialidade em casos concretos específicos, prática que merece, dada sua gravidade, atenção e cuidado pelos operadores do direito.
Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos