Co-culpabilidade, Fátima Bernardes e Direitos Humanos

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A avaliação geral do ano de 2014 evidencia a existência de uma dicotomia na sociedade brasileira alimentada por dois objetos, quais sejam: a descrença no judiciário e a fomentação, inclusive midiática, do retrocesso à justiça com as próprias mãos.
A menção ao fenômeno dos linchamentos, comuns no ano de 2014, se faz extremamente necessária e relevante para a contextualização da repercussão social da enquete leviana veiculada no programa global “Encontro com Fátima Bernardes” na semana passada.
A evolução e difusão das redes sociais e dos movimentos políticos demonstraram um posicionamento assustador de parcela significativa da sociedade brasileira. O discurso de ódio a criminosos, presidiários e – até mesmo – às suas famílias pintaram um quadro de total retrocesso no Brasil. Pessoas, culpadas ou não, foram mortas, suas casas destruídas e suas famílias humilhadas, tudo em decorrência da onda de ódio que inundou as ruas. Passou-se a questionar a alimentação dos Reeducandos; a viabilidade das penas de morte ou de caráter perpétuo e/ou degradante; a legalidade do auxílio-reclusão e por ai se segue.
O breve lembrete possui a finalidade de evidenciar a falta de paciência, respeito e tolerância com criminosos, presidiários e suas famílias, o que – indiscutivelmente – tende a legitimar, ao menos popularmente, os atos abusivos do Estado. Logo que se questiona, ouve-se o discurso: “bandido bom é bandido morto”; “cometeu crime, tem que passar por isso mesmo”; “se o filho virou bandido, boa coisa essa mãe não é”; “tá com pena? leva pra casa!”.
A falta de sensibilidade dos discursos citados é lamentável, mas incombatível, conforme Voltaire, ou Evelyn Beatrice Hall: “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo” (HALL, 1907). A motivação da militância, todavia, é algo inevitável.
Pretendemos também, a pedido de uma grande amiga e colega – a talentosa Daniella Pereira que defendeu com brilhantismo pesquisa recente quanto o mecanismo de Tornozeleira Eletrônica frente o princípio da Dignidade da Pessoa Humana – plantar uma reflexão inerente ao princípio da Co-culpabilidade em um contexto de legitimação social do direito penal do inimigo.
Insta então esclarecer o adjetivo “leviana” como definidor da enquete realizada no “Encontro”. No programa houve um debate com a seguinte problemática: “um policial é recebido a tiros por um traficante e, apesar de levemente ferido, em legítima defesa, acerta o alvo e ocasiona um ferimento grave no delinqüente. Pergunta-se: quem deveria ser socorrido primeiro? O traficante gravemente ferido ou o policial levemente ferido?”.
A discussão é travada comumente nos primeiros períodos em faculdades de Direito, mas com uma distinção significativa. Em regra, no primeiro ano do estudo jurídico acadêmico, o aluno precisa estudar filosofia e teoria do Direito, levando-o à consideração da doutrina utilitarista. A melhor forma de compreender o utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill é pela via exemplificativa. Assim, pergunta-se: um policial é recebido a tiros por um traficante e, apesar de gravemente ferido, em legítima defesa, acerta o alvo e ocasiona um ferimento igualmente grave no delinqüente. Pergunta-se: quem deveria ser socorrido primeiro? O traficante gravemente ferido ou o policial na mesma situação de risco?
Observe que, na segunda situação, qualquer ser humano razoável optaria pelo atendimento prioritário ao policial pela essência utilitarista inerente ao ser humano em “buscar a maior felicidade ao maior número de pessoas” no menor espaço de tempo possível.
A enquete, todavia, distorceu intencionalmente o debate utilitarista e gerou uma polêmica enorme, uma vez que os participantes do “encontro”, com razoabilidade e inteligência, optaram em socorrer o traficante gravemente ferido ao policial levemente ferido.
É indispensável, nesse momento, evidenciar que a distorção midiática tem, constantemente, invertido valores e divulgado com equívoco institutos jurídicos. Os profissionais e estudiosos dos Direitos Humanos são ridicularizados diariamente como se defendessem a vitimização de todo e qualquer criminoso e o repúdio aos agentes de segurança. Passa-se ao estudo da co-culpabilidade.
Conforme leciona Juarez Cirino dos Santos, “a co-culpabilidade da sociedade organizada pode ser admitida como uma valoração compensatória da responsabilidade de indivíduos inferiorizados por condições sociais adversas”. No mesmo sentido, Nilo Batista assevera que “em certa medida, a co-culpabilidade faz sentar no banco dos réus, ao lado dos mesmos réus, a sociedade que os produziu”.
Por logo, o Estado, entendido em sentido amplo, deve, pelo menos em parte, assumir as conseqüências de sua falha na omissão quanto a garantia de pressupostos mínimos de dignidade universal.
Por derradeiro, o princípio em estudo é uma via de exceção e, de forma alguma, é de aplicação imediata a todo e qualquer delinqüente. O princípio, na verdade, é destinado a tratar de situações concretas de tamanha violação a Direitos Humanos, que chegam a ser inimagináveis a realidade de um estado democrático.
Imaginemos a situação concreta de uma garota, Camila, que, abandonada pelos pais, foi criada pelos irmãos e começou a pedir esmola nos sinais aos 6 (seis) anos de idade. Aos 8 (oito) anos de idade já tinha experimentado vários tipos de drogas, provavelmente as mais baratas, dentre elas o crack. Aos 10 (dez) anos de idade, ao pedir esmola em um local afastado, foi violentamente estuprada por três homens e, levada ao hospital, foi medicada, mas – em decorrência dos abusos – perdeu definitivamente a oportunidade de ter filhos.
É, frente ao princípio da individualização da pena, justo esperar um comportamento conforme o direito de Camila? Peço perdão aos leitores, mas o posicionamento cego em tratar como obrigação de Camila o comportamento social análogo ao dos filhos de banqueiros que estudam em escolas particulares a beira dos R$6.000,00 (seis mil reais) de mensalidade nas capitais brasileiras é teratológico.
A conclusão, todavia, é remetida a Voltaire. Em uma democracia não existe verdade absoluta, mas pluralidade de verdades que devem ser respeitadas.
Assim, encerro minha contribuição expressando meu repúdio à realidade de ódio entre classes que estamos vivendo. Momento turbulento em que uma simples enquete televisiva leva agentes de segurança a deixarem seus afazeres diários para gravar vídeos agressivos, de apologia e sem qualquer tipo de fundamento legal ou filosófico contra uma apresentadora de TV e seus familiares.
Levar seu filho doente a um juiz é o mesmo que exigir que um médico modifique a ordem legal de atendimento segundo as atribuições dos pacientes em espera. É leviano.
Agentes de segurança devem garantir segurança, médicos devem salvar vidas humanas, juízes devem julgar conforme as provas apresentadas, advogados devem defender o direito e promotores devem defender a justiça. “Cada um no seu quadrado”.
IMG_20160513_090651Hugo Viol Faria
OAB/MG 169.332
Formação: Graduado em Direito pela Faculdade Metodista Granbery – FMG. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva-Estácio. Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil subseção Barbacena/MG. Professor de Direitos Humanos

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John Doe

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